A Morte é ridícula

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Existem algumas coisas nessa vida que eu nunca vou entender. A morte é uma delas. Uma hora estamos fazendo planos, seja sobre nossa próxima refeição ou sobre uma viagem internacional. Estamos rindo com nosso melhor amigo ou amamentando nosso filho. E de repente, tudo para. A respiração para. O coração para. As funções internas param. Toda a carne para. Mas o mundo simplesmente continua. E de repente deixamos mensagens não respondidas; um café que não será tomado; um livro deixado pela metade na cabeceira da cama ainda desarrumada; deixamos um trabalho pela metade e cancelamos reuniões importantes porque o nosso corpo parou de funcionar. Deixamos poeira nos móveis, uma lâmpada por trocar no quarto, uma ligação adiada, um “eu te amo” não dito, um violão desafinado, uma saudade, agora permanente. Não há sentido na perda de sentidos, na falta de respiração, na parada cardíaca nem no desligamento cerebral. Como um computador desligado da tomada. Nada. De fato, não consigo entender o nada. Ausências, faltas, silêncios, tudo isso está em um mundo incompreensível pra mim.
E o que vem depois disso? Será que existe algo depois do nada?
Eu não conheço praticamente nada sobre a vida. Eu conheço sobre o discurso. Sei que existe sempre um discurso posterior, que será uma resposta a discursos anteriores. Não existe um “discurso” último, portanto, não existem finais. Gosto de pensar na vida como um grande discurso, pois vivo disso. Pode ser que exista um outro discurso depois do ponto final do nosso corpo. Prefiro não acreditar no “nada”, pois odeio o que é incompreensível. Odeio não saber.
Às vezes fico imaginando a sensação, o inevitável encontro com o nada. Logo sou consumida por um pânico escalafobético, as mãos tremem, a respiração fica ofegante e meu coração acelera, lembrando-me que meu corpo ainda vive, sem saber até quando. É estranho transpor isso em palavras, macabro até. A solução que encontrei para o pânico foi tentar naturalizar a coisa. Tentar pensar que cada dia é uma nova morte, e um novo nascer. Pensar no meu corpo como um mero instrumento para que minha mente tenha algo pra se distrair por algum período. Pensando bem, às vezes nada disso faz sentido nenhum. Ela não faz sentido nenhum. A mesma ausência de sentido que tem um corpo físico; um coração pulsando; ar entrando e saindo; sangue; veias; órgãos; tato; vida?
A morte é ridícula.

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