A casa era tão silenciosa que ela não demorou a dormir. Não ouviu a porta do quarto abrir-se silenciosamente e não viu que algo de olhos mais negros que a noite espreitava no fim do corredor escuro.
Sonhou com Carlos.
E mesmo que ele parecesse tão real e vivo e feliz no terno preto, ela sabia que ele estava morto, sabia que nunca o veria com aquele terno preto e nem se veria de verdade com aquele vestido branco, vestido de noiva. Sua maior tortura.
E quando acordou, Helena estava tão cansada.
Caminhou até a cozinha e com um café forte em mãos ligou o notebook e fechou os olhos com força.
- Você sabia o quanto eu tinha medo de ficar sozinha! - Falou esperando que de algum lugar Carlos ouvisse.
Será que agora era uma alma ainda mais quebrada que quando o conheceu ? Porque tinha sido ele quem a ajudará a se reconstruir, a colar cada pedaço de um coração estraçalhado e sem esperança.
No pouco tempo em que passaram juntos haviam criado um laço, uma conexão que havia acontecido muito antes do primeiro beijo, e embora tentasse negar a si mesma, agora mesmo com ele morto ela ainda era capaz de sentir um fio daquele laço ainda ligado ao coração dela. Aquela conexão nunca foi somente de corpo, era de alma.
Ignorou o celular que tocava freneticamente. Não podia atender Sarah ainda, sua irmã lhe perguntaria se estava bem e ela não poderia mentir, não para Sarah, e a verdade, não queria dizer.
Então ela seguiu enviando currículos para todas as empresas que julgava ter uma chance. Reconhecia a carreira que havia criado, que era inteligente e se via decidida a recomeçar. Afinal de contas, se Carlos havia lhe deixado uma casa naquele lugar, devia ser um sinal que deveria recomeçar ali.
No fundo não queria atender o celular e e depois cair na asneira de abrir a conversa com ele, ver a mensagem nunca visualizada que o pedia pra voltar pra casa, clicar nas tantas mensagens favoritas e reviver tudo aquilo. Ainda não tinha essa força.
O celular ainda tocava quando ela foi até a cozinha pegar mais café , teve a impressão de ver uma sombra no canto da geladeira, mas quando olhou melhor não havia nada ali. Estranhamente o relógio havia parado as 3 horas da manhã.
Ignorou os sinais, ignorou aquela intuição e aquele aperto no peito.
Mais uma vez teve a impressão de ver aquela sombra escura perto da geladeira, ela deu um passo a frente e mais um, mas antes de tocar onde estava aquela sombra segundos antes, as portas da varanda do andar de cima estrondaram.
Helena correu escadaria a cima, mas quando chegou lá, tudo estava tão quieto.
- Eu devo estar ficando louca. - Não cogitou nada sobrenatural naquela casa, jogou toda culpa no luto, naquela solidão e cansaço que lhe afligia desde a perda de Carlos.
Olhou para a caixa de remédios e convenceu a si mesma que era só mais um calmante.
- Fantasmas não existem! Fantasmas não existem, eu vou ficar bem.
Fechou os olhos, o sono era tão leve que não sentia que dormia, tamanho foi seu susto quando viu que se passara mais de quatro horas. Caminhou até o banheiro, o chuveiro estava ligado, negou todo medo e pensou que depois chamaria um eletricista.
Mas maior foi sua surpresa quando depois do banho desceu para o andar debaixo e pegando o notebook, viu que o e-mail havia sido respondido.
Uma proposta de emprego, do próprio prefeito, a convocando para uma entrevista de emprego dentro de dois dias, o salário era considerável e o cargo, acessória de imprensa estava dentro de sua formação profissional. Ela quase deixou um sorriso escapar dos lábios.
Um recomeço, aquilo seria um recomeço.
Ergueu os olhos para o céu e falou:
- Você prometeu que sempre cuidaria de tudo, obrigada Carlos!
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A última Carta
Terrorcom um amor que se foi para sempre e uma alma quebrada, Helena se muda para uma antiga propriedade na esperança de recomeçar, mal sabia que lá enfrentaria não só seus fantasmas internos como também fantasmas reais.