Capítulo 6

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Nada de estranho aconteceu na segunda noite que dormiu na casa, até mesmo aquela energia sombria parecia estar mais amena.

- Vou pintar essa parede de pêssego. – Jogada no sofá ela falou para ninguém em especifico, andava falando sozinha ultimamente. Uma tentativa desesperada de trazer vida aquela casa e a ela mesma.

- E talvez pendurar umas plantinhas perto da janela deixe o ambiente mais aconchegante... – Fez um beicinho que não era de real tristeza – Nunca fui muito boa com decorações.

Encheu a taça de vinho mais uma vez e ficou balançando-a, admirando o vinho que parecia dançar na taça.

- Se meu senso de humor fosse mais afiado eu diria que está tentando me seduzir, balançando para lá e para cá. – Ela não riu da própria piada.

Um barulho de sirene soou ao longe, apressada Helena caminhou até a janela e esperou o barulho que aos poucos se aproximava. Quando a viatura passou pelo rumo de sua casa ela se perguntou se por acaso Cassiano estaria nela. Se por acaso quando houvesse um confronto com criminosos ele hesitaria em atirar de novo.

- E você Helena – perguntou a si mesma – em um próximo relacionamento vai hesitar em brigar de novo?

Os dois possuíam dores tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais.

Pegou-se imaginando que ele pararia a viatura – que já havia sumido rua a fora – na frente da casa dela, que sem bater entraria pela porta, que um emprestaria ao outro um ou dois ombros para chorar e então tomariam vinho e adormeceriam no sofá.

Helena era do tipo que acreditava que era preciso sonhar sempre, que quando se perdia a capacidade de sonhar, em breve perderia a esperança, perderia tudo. Mas aquilo era demais até para ela.

Não era uma garotinha tola conhecendo o amor, já havia amado e sido amada. E aquela história mais parecia uma paixão platônica saída diretamente dos livros que ela lia, e bem sabia, cenas de livros não aconteciam na vida real.

- Tola, mil vezes tola! Um homem como ele deve ter uma mulher. – Discutiu com ela mesma enquanto saia da janela e ia até a cozinha retirar do forno a lasanha que estava prestes a queimar. – Bonito, inteligente, forte... – E assassino, uma voz interior lhe sussurrou.

Não devia estar pensando no delegado, nem o conhecia, não sabia nada sobre a essência daquele homem e no que ele acreditava. Era um estranho, um completo estranho e ela não daria asas à imaginação.

Impôs a si mesma duas regras:

1- Não se apaixonar pelo o que inventava em alguém. – Ora nem conhecia aquele homem.

2- Nunca, jamais, sob possibilidade alguma, trair a memória de Carlos. – E trair a si mesma.

Colocou música alta para expulsar aquele estranho de seus pensamentos, sentada sozinha a mesa ela comeu, somente depois de secar a garrafa de vinho ela subiu as escadas arrastando-se e tomou banho.

Desta vez não se permitiu chorar, bastava daquele luto cego. Daria um jeito de seguir.

Se permitiu pôr a camisola azul e olhar-se no espelho por breves dez segundos. Apesar da dor, ainda era uma mulher bonita, mas não tão bonita quanto há um mês atrás.

- Essa era sua favorita Carlos. – Decidiu que aquela seria sua nova mania, conversar como se Carlos ainda estivesse ali, seria mais fácil encontrar um caminho se pelo menos pudesse falar com ele, mesmo que não houvesse resposta.

Ela rodopiou na frente do espelho, mas não sorriu. Seguiu para a cama e enrolou-se nos lençóis.

- Aonde quer que esteja, Boa noite Carlos. Se possível, invada meus sonhos porque eu sinto sua falta.

Lá fora uma coruja começou a cantar, Helena nem pôs atenção. Nunca havia sido uma assídua nas aulas de biologia, não sabia que quando se sentiam observadas as corujas cantavam para defender o território.

E também não sabia que lá fora, dentro de um carro preto Cassiano observava a casa, Cassiano esperava vê-la, mesmo que ao longe.

Estava perdida demais nas próprias convicções para notar o canto da coruja ou a luz baixa do carro. Sozinha Helena afirmava para que ela mesma ouvisse, para que as paredes da casa fossem testemunhas, no que precisava acreditar, no que queria acreditar:

- É preciso ser fiel a si mesma sem nunca deixar de sonhar! 

A última CartaOnde histórias criam vida. Descubra agora