6| "A Uma Luz Sempre No Fim Do Túnel"

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O restaurante era tão bonito quanto Shawn nos tinha explicado no caminho. Nós olhavamos para cada canto do restaurante, desde os lustres no teto até ao pianista que tocava melancolico proxímo ao bar, inerte nos próprios pensamentos. O maitrê olhava-nos com certo pavor como se estivesse a lidar com os três criminosos mais perigosos do mundo, mas era apenas o preconceito que corria nas suas veias. Como um cavalheiro Shawn puxou as cadeiras para que pudessemos nos sentar, as taças eram de cristal e os talheres de prata, era um lugar que minha mãe gostaria de frequentar e comentar com as suas amigas enxeridas.

-é muito luxuoso.- Phoebe sorriu tocando nas cámelias no centro da mesa.

-vamos fazer os pedidos.- disse Shawn chamando o garçon.- estou faminto!

-espero que tenha alguma comida agradavél.- abri o cardápio.

Escolher alguma coisa no cardápio fora uma tarefa difícil, os nomes eram quase impossiveis de pronunciar, mas no final um prato que era confeccionado com frutos do mar fora a escolha e whisky para todos, não era exatamente uma degustadora de vinhos, precisavamos de bebidas fortes para continuar com ânimo. Estava inerte a conversa entre Phoebe e Shawn, apesar de a comemoração ser por minha causa, me sentia ligeiramente desconfortavel em ser o centro das atenções. Girei os meus olhos pelo restaurante prestando a atenção em cada convidado, o grupo de homens que conversavam sobre negócios, o casal que brindava por alguma ocasião especial; mais um novo casal entrou, minha garganta ficou seca, ao vê-lo tão bem vestido e acompanhado de uma mulher. "Ele está vindo, reaja!" Minha mente alertou-me, mas não sabia o que fazer.

-boa noite a todos!- o sr. Baker cumprimentou. Os seus lábios estavam ligeiramente curvados em um sorriso que apenas eu notei.-Zunduri, deixe-me lhe apresentar a minha esposa Fiona. Fiona essa é a Zunduri minha mais nova cliente.

-não sabia que tinhas tanta intimidade com as tuas clientes.- a mulher comentou sorrindo para Zunduri. Os cabelos loiros lisos eram sedosos amostra de horas de cuidados, os olhos azuis felinos, nariz arrebitado. Ela era uma mulher esnobe.- principalmente que fosse negra, não sou racista, apenas estou espantada.

-sra. Baker, sou a cliente do seu marido não a amante, e se fosse a amante a senhora não estaria aqui jantado.- sorri. O copo de whisky na minha mão estava vazio e o gelo derretia em vão.

Phoebe tentou conter um sorriso ao olhar para a mulher que me fulminava. Shawn escondia o rosto no cardápio com medo da confusão que poderia acontecer.

-tem razão... Zunduri, nenhuma de nós estaria aqui para contar o final da história.- forçou um sorriso se afastando da nossa mesa.

Antes de se afastar o sr. Baker olhou para as minhas roupas um vestido púrpura com dois V's um na parte de frente e outro na parte de trás. Os seus olhos me estudavam mas a sua boca não dizia nada.

-que mulher terrível.- Phoebe comentou quando os nossos pedidos chegaram.- ah Zunduri! se fossse eu, teria batido nela.

-e estragar o vestido que quase nos custou uma fortuna? Não! Mulheres como ela não sabem tudo o que a vida exige de nós para sobreviver.

-por isso estamos aqui! Para comemorar todas as nossas derrotas que nos tornaram fortes.- acrescentou Shawn.

Apesar de o jantar ter sido ótimo ideia de Shawn, terminamos a noite em algum bar da esquina bebendo mais cerveja do que o meu corpo aguentaria. Um rapaz com sardas me beijava esfregando a sua ereção em mim, mas o meu corpo não correspondia ao seu comando, a minha mente imaginava a sobremesa na geladeira, o livro de Emile Brönte sobre a cama. Eu não estava excitada, estava sufocada. Empurrei o seu corpo esguio para longe e me afastei vendo ao longe os olhares preocupados dos meus amigos sobre mim, o rapaz proferiu algum improperio e voltou a beber. Algumas lagrímas teimavam em escorrer pelo meu rosto como brasas vivas, mas não as deixarias vencer, ainda era Zunduri.

Me aproximei de uma árvore e vomitei todo o jantar caro que Shawn tinha pago para nós, queria vomitar o que sobrara da minha dignidade, e aceitar que era literalmente um lixo. Algumas meninas olhavam para mim com nojo. O cartão da psicóloga de Phoebe ainda estava no meu bolso do sobretudo. Acho que foi um ato de coragem incentivado pelo excesso de alcool no meu sangue. Estava no meio da rua com um telefone público no ouvido, batendo o pé freneticamente no chão, esperando que alguém do outro lado da linha atendesse.

"Alô? Tem alguém na linha?"- a voz era firme apesar de pasar da meia-noite.

"Joanne!"- chamei procurando palavras que escapuliram.- sou a amiga da Phoebe"

"Zunduri!"- meu nome soou com tanta empolgação como se nos comhecessemos a anos.- "a Phoebe me falou muito sobre você querida."

"Preciso conversar, sobre o aconteceu... será que posso ir a sua casa agora?"

"Estarei esperando por você. Anote o meu endereço..."

▪ ▪ ▪

O relógio marcava duas da manhã, uma chavéna de cáfe forte e sem açucár estava nas minhas mãos, estava mais sobria do que esperava. Estava de banho tomado sem as roupas com cheiro de vômito que Joanne fez questão de colocar na maquina de lavar, vestia um moletom que pertencia a filha de Joanne, Camille. Joanne era uma mulher simpática e astuta. Os seus olhos pequenos escondidos pelos óculos de grau rabiscavam alguma coisa no bloco de notas.

-...comece quando se sentir confortavél.- explicou.- não precisa se preocupar com o que não lembra, eu irei lhe ajudar nas outras sessões.

-eu tinha oito anos na época. Era uma noite normal, meus pais iriam jantar na casa de um casal amigo, jantar de casais, eu ficaria sob os cuidados "dele" que sempre se escondia nas sombras. Ele nunca tinha me tocado antes até aquele dia- sorri olhando para a parede branca.- eu estava brincando quando ele se aproximou... a minha mente ainda é um borrão... mas ele tirou a minha roupa e as dele também.- lagrímas escorreram pelo meu rosto.- ele tocou em mim! Eu deixei!

-você não tem culpa Zunduri.- Joanne afirmou.

-mas eu deveria ter gritado, os vizinhos apareceriam para me ajudar. Tenho tanto nojo do meu corpo!

-pedofilios são inescrupulosos! Eles ganham a confiança das suas vitímas, manipulam-as. Eles as fazem pensar que o anormal é normal, mas nunca será, lembre-se sempre disso.

-ele voltou.- limpei as lagrímas.- voltou para me aterrorizar!

-vai denunciar? Ele fez muito mal a você, tem todo o direito de fazer justiça.

-o meu advogado desconfia que ele fez isso com outras meninas. Meu Deus! Ele tem uma família! Como consegue?

-eles são como psicopatas, alguns conseguem manter uma vida dupla, mas outros não. Eles não encaram o que fazem como um mal, eles pensam que é certo ferir meninas, mulheres.- Joanne anotou algo no seu bloco de notas.- preciso que seja forte, as proximas sessões vão exigir muito de você.

-vou fazer justiça! Por todos os anos em que a minha alma ficou dilacerada.


-você vai ser livre Zunduri.- Joanne sorriu.- como nunca foi...

Z U N D U R IOnde histórias criam vida. Descubra agora