Capítulo 4
4| " O Silêncio Sempre Foi O Meu Grito Mais Alto"
Vinte e quatro horas fechada no meu quarto, cortinas fechadas, as luzes apagadas, nem mesmo a Mistyc quis ficar perto de mim, talvez pelo cheiro forte de cigarro, ou pelas garrafas de whisky vazias em baixo da cama, era o meu novo recorde. Depois do que sucedera na noite anterior, não voltaria para a casa dos meus pais tão cedo, eles fariam muitas perguntas e como poderia responde-los, se a resposta ansiada poderia ser o princípio ou o fim de tudo. Havia um espaço vazio no meu coração, que eu não sabia com o que preenche-lo, era a peça que faltava no meu quebra cabeça. Apliquei uma leve camada de base para esconder as olheiras sinal de uma noite mal dormida, não queria parecer alguém que sofria mesmo quando sofria. A vulnerabilidade era um prémio para pessoas fracas, não queria andar pela rua e ser enxergada desse jeito. Antes de sair do quarto olhei para a desarrumação eminente que lá se encontrava, a cama desarrumada, roupas espalhadas pelo chão, livros em todos os lugares após um momento de estéria. Phoebe esperava por mim arrumada, era mais um dia de trabalho. Eu via nos seus olhos que ela tinha mil perguntas a fazer para mim, mas não teria coragem de perguntar o porque dos meus gritos de madrugada, ou se estava bem. Mas como ficar bem, se a cada passo sentia-me a afundar como se estivesse a andar sobre areia movediça.
-se quiser eu ligo e invento uma desculpa...- foram as primeiras palavras que proferiu para mim.
-não!- pedi. Abri a porta do apartamento, fazendo uma nota mental de chamar alguém para a consertar.- se ficar mais uma hora naquele quarto, não sei do que sou capaz de fazer.
-deveria marcar uma sessão com a psicóloga. Ela foi essencial para mim depois que o meu pai morreu.- Phoebe garantiu.- eu vou com você.
-preciso pensar, por favor.
O bar estava animado algumas meninas dançavam no palco de roupas sensuais, era entretenimento para os homens que jogavam notas de dinheiro, a apresentação de Phoebe seria a última da noite e talvez a que mais rendesse, porque todos os clientes adoravam vê-la dançar. Gleen terminou de servir vários copos de cerveja para um grupo de operários sentandos na mesa do centro. Pelo mal humor algum deles tinha feito alguma brincadeira de mal gosto, mas Gleen era capaz de se defender sozinha tinha uma espiritualidade de invejar. O seu estilo Punk também contribuia para que as pessoas sentissem um certo medo dela.
-...você está pessíma.- comentou apontando para o meu rosto.
-também fiquei assustada quando vi o resultado no espelho.- ironizei.
Gleen sorriu ou melhor tentou, e voltou a esfregar o balcão mesmo eu tendo acabado de o fazer. Era melhor fingir que essa era a melhor ocupação do que olhar para os homens bebâdos que gritavam obscenidades. Aqueles homens eram exemplos vivos de como as mulheres podiam ser tratadas como sacos de pancadas, ou como pedaços de carne suculentos que depois não tinham mais nada a oferecer.
A ideia de Phoebe de consultar uma psicóloga me assustava ao extremo. Como contaria para uma mulher que não conhecia, sobre algo que não me lembrava, mas que me causava pavor. Eu sentia nojo do meu corpo, precisava me livrar do toque forjado que ele possuía. Mas não sabia como o fazer, principalmente se teria coragem de o fazer.
-senhorita por favor sirva-me uma bebida forte.- o jovem rapaz tinha um ar tão polído que não parecia frequentar bares de quinta categoria.
-Whisky parece combinar com você.- sorri servindo-lhe uma boa dose do líquido de cor âmbar.
O rapaz bebeu de uma vez só, fez uma careta ao sentir o liquido queimar o seu interior. Os seus olhos esverdeados transmitiam paz, apesar do seu nervosismo eminente.
-Atlas, é o meu nome.- forçou um sorriso que não chegou aos seus olhos.- preciso conversar... talvez você possa me ajudar.
-pelo número de problemas que tenho, creio que não seja a pessoa adequada para ajuda-lo.
-por favor.- pediu.- apenas me escute... a minha irmã está no hospital em estado crítico.
-o que aconteceu?- perguntei limpando os copos.
-ela foi estuprada. Meu Deus! Ela tem apenas dezassesis anos!
O copo escorregou da minha mão quebrando-se em mil pedaços. Atlas olhou para mim preocupado, mas antes que ele pudesse ver o meu rosto pálido peguei a vassoura e varri os cacos olhando fixamente para chão.
-o mal está sempre a nossa porta.- sussurrei, mais para mim mesma do que para ele.- lamento pela sua irmã.
-como podem existir pessoas tão crúeis, capazes de destruir a vida de uma pessoa que nunca fez mal algum.
-a tua irmã como outras mulheres não escolheram ser vítimas desse homem. Pessoas com o coração bom não sobrevivem nesse mundo cruel. Agora vá ficar com a tua irmã, ela precisa de você forte para ajuda-la a fazer justiça.- sorri segurando as lagrímas.
-obrigada!- Atlas agradeceu. Vi sinceridade no seu olhar antes de partir.
▪ ▪ ▪
Os meus pés estavam cheios de bolhas, subir as escadas do prédio não era mais doloroso do que conduzir cansada. Phoebe estava com a maquiagem borrada os cabelos ruivos desgrenhados, talvez mais cansada do que eu. A porta do apartamento estava entreaberta, sem sinal de arrombamento. Mais ninguém estava no corredor. Nos entre olhamos confusas e com medo do que poderiamos encontrar, Phoebe pegou o canivete que estava na sua bolsa enquanto eu ganhava coragem para entrar. O apartamento estava do mesmo jeito que tinhamos deixado, sem sinal de invasão. Mistyc miou assim que nos viu como se quissesse dizer alguma coisa.
-o que essa caixa faz aqui? Não me lembro de tê-la deixado aqui!- perguntou Phoebe apontando para a caixa preta com um laço branco por cima, sobre a mesinha de centro.
Não a respondi de imediato, apenas me aproximei da caixa. Tinha uma etiqueta direccionada a mim, talvez fosse apenas uma brincadeira de mal gosto de Shawn ou da Gleen. O bilhete impresso dizia:
"Meu anjo, minha perdição, minha menina bonita. Espero que se delicies com o presente especial que trouxe para ti, ele é apenas uma lembrança do que voltaremos a viver."
Com as mãos trémulas e o coração descompassado abri a caixa lentamente sendo observada por Phoebe. O meu urso de infância estava dentro da caixa, pêlo marrom vestido com a camisola de cachimira, ele era o mesmo que eu apertava para me dar força toda vez que ele tocava a minha vagina com um desejo obscuro nos seus olhos. Toda vez que ele sentia desejo pelo meu corpo míudo, eu sentia nojo de mim mesma.
-Phoebe.- chamei sem olhar para ela. O meu corpo estava paralisado, era como se estivesse preso no tempo, pressa no passado.- ele vai me matar.
-Não!- negou com tanta convicção que por alguns segundos pensei que pudesse haver uma escapatoria.- nós vamos denuncia-lo.
-quem vai acreditar em duas mulheres despudoradas, quem acredita em uma mulher?- contra argumentei.- quem vai acreditar que um homem exemplar como ele pode ter feito algo do genêro.
-eu sei quem pode nos ajudar.- disse Phoebe me ajudando a sentar no sofá longe daquela caixa.
-quem?- perguntei.
-o melhor advogado do país. Kevan Baker.- sorriu.
-não temos dinheiro para isso.-retruquei.- ele deve ser um daqueles advogados que cobra uma fortuna.
-as nossas economias são suficientes.
O nome daquele homem ficou martelando na minha cabeça o dia inteiro, será que seria possível existir uma solução. Phoebe fez questão de jogar a caixa no lixo da esquina. A minha mente dava voltas e mais voltas. Talvez ouvesse um motivo para acreditar.
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Z U N D U R I
Romance"Mantenha-se atrás da faixa amarela, não chegue muito perto, não acerque-se de meus traumas, não invada meus mistérios, não atrite-se com o meu passado, não tente entender nada: é proibido tocar no sagrado de cada um"._ Martha Medeiros. Eu ainda sou...