Era quase meio dia quando subi os lances de escada do prédio passando por alguns vizinhos inertes a minha presença, ninguém ali se importava com o que acontecia com o outro. Olheiras por baixo dos olhos e o mesmo vestido da noite anterior, um cigarro brincava nos meus lábios. Abri a porta do apartamento, mas não estava tão vazio quanto esperava. Os três estavam sentados no sofá em completo silêncio, chávenas de cáfe quase intocadas, e uma distância consideravel entre eles. Quem quebrou o silêncio foi Mistyc, que miou esfregando o seu pêlo nas minhas pernas. Peguei o seu corpo pequeno no meu colo, e a gata se aconchegou ainda mais em mim.
-sr. Baker!
-precisamos conversar Zunduri.- o seu olhar inexpressivo era um enigma para mim.
-se for sobre a minha ousadia no restaurante, não pretendo pedir desculpas. Se quiser pode se afastar do meu caso...
-vim conversar sobre o caso.- explicou calmo.
-hum, nós já estamos de saída.- Shawn comentou puxando Phoebe até a porta.- vamos ao cinema.
-se precisar de ajuda grite!- Phoebe orientou olhando de mim para o sr. Baker.
O casal saiu deixando-nos a sós, até mesmo a Mistyc fugiu de meus braços para a cozinha onde estava a sua comida. Sentei no sofá sob o olhar atento do sr. Baker que estudava as minhas feições.
-descobriu alguma coisa?- perguntei.
-não muito. Depois que estuprou você, ele não tocoou em nenhuma outra menina aqui na cidade.- girou o anel no seu dedo anelar.- mas preciso viajar para Manchester, talvez por duas semanas, para averiguar sobre o passado dele por lá.
-se tiverem outras meninas?- perguntei receosa.
-vamos leva-lo até ao tribunal. Preciso que tente se lembrar do que ele a fez, e que me ajude a reunir provas.
-estou me esforçando sr. Baker.- suspirei esfregando as mãos no rosto.- não é tão fácil como imagina.
-não quero que se sinta pressionada.- sentou ao meu lado no velho sófa. O seu cheiro ainda indecifravel para mim, era agradavél.- você é muito forte Zunduri, não tenha medo dele.
-e-eu n-não quero ter.- gaguejei. Ele estava tão perto de mim.
-vou fazer algo muito inapropiado Zunduri.- contornou os meus traços com os seus dedos.- me impeça se não quiser.
Foi inevitavél prender a minha respiração. Estavamos a centímetros de distância, olhando um para o outro com muito a dizer. Era diferente a sensação que ele causava em mim, o meu corpo pela primeira vez correspondia, sem precisar de obriga-lo fazer.
-eu quero.- olhei para os seus olhos e depois para a sua boca.
Os seus lábios tocaram os meus lentamente, como se ele tivesse medo de me machucar. O meu coração bateu descompassado dentro do peito, era uma nova sensação. O beijo se intensificou, a sua língua pediu passagem para entrar na minha boca, e eu permiti. O beijo era quente e sófrego, com gosto de cigarro e café. Puxei o seu cabelo, sentindo a textura dos seus fios entre os meus dedos. As suas mãos passeavam pelo meu corpo, parando na minha cintura onde ele apertou forte, marcando seus dedos longos ali, mesmo não sendo sua.
-é melhor ir embora sr. Baker.- sussurrei me afastando da sua boca. O meu peito subia e caía com respirações rápidas.
-desculpe Zunduri! Não deveria ter lhe beijado.- puxou os cabelos, andando de um lado para o outro. Não parecia o mesmo homem que tinha entrado no meu apartamento.
-por favor.- pedi com lágrimas contidas nos olhos.- não minta para mim.
-não minto Zunduri. Não sou como os outros homens que conheceu.
Foram as suas últimas palavras antes de sair. Caminhei até a varanda tentando acender o cigarro com o esqueiro. Traguei levando a nicotina para os meus pulmões, finalmente me sentia calma. Do outro lado da estrada o sr. Baker abria a porta do seu carro luxuoso, mas antes de entrar olhou para mim na varanda fumando um maço de cigarro para dissipar as emoções que não podia sentir.
▪ ▪ ▪
Estava servindo alguns homens sentandos nas mesas, quando Atlas entrou no bar procurando por algum lugar para se sentar, quando nossos olhares se cruzaram, ele acenou para mim. Me aproximei do balcão onde Gleen servia bebidas para algumas pessoas sentadas no bar. Aparentava estar cansado, com olheiras por baixo dos olhos, mas o seu sorriso acolhedor ainda estava por lá.
-Zunduri!- envolveu-me nos seus braços.- quero agradecer pelo apoio...
-Atlas, não fiz nada demais.- me afastei dos seus braços.
-quero lhe fazer um convite... talvez soe como um pedido de ajuda.
-o que vai ser dessa vez?- perguntei sorrindo.
-é sobre a minha irmã... quando ela tiver alta, vou leva-la a minha casa. Longe dos olhares de pena da minha família. Talvez fosse bom...
-vou visita-la quando você quiser.- garanti.
-não sei como lhe agradecer Zunduri.
-cuide dela, é o suficiente.- falei servindo uma bebida para ele.- o que você faz da vida Atlas?
-sou arquitecto. Trabalho para uma grande empresa.- sorriu. Era um sorriso natural que fazia as covinhas marcarem suas bochechas.
-quem é o bonitão?- Phoebe perguntou. As suas mãos pequenas lutavam para prender os cachos rebeldes.
-Atlas, srta...
-Phoebe!
-eu sou a Gleen!
As meninas enturmaram-se com Atlas como se fossem amigos de longa data. Minha mãe dizia que pessoas de alma pura atraem o bem e era o que via no Atlas. Um homem com um grande coração, disposto a ajudar todo mundo.
-...Atlas, estou intimando você a jantar no nosso apartamento!- Phoebe sorriu.
-não quero incomodar, Phoebe.- disse constragido.- tenho que viajar para visitar a minha irmã, mas volto em duas semanas.
-você não incomoda, não é Zuni?- perguntou para mim.
-não é incomodo.- forçei um sorriso voltando a esfregar o balcão.- quando você voltar de viagem pode aparecer para jantar.
-você também está convidada Gleen.- acrescentou Phoebe.
Gleen deu de ombros escondendo um sorriso de contentação. Era bom vê-la interagir com pessoas tão alegres quanto Phoebe. Mas a minha mente armadilhada não estava apenas interessada no jantar. O beijo do sr. Baker ainda assombrava a minha mente, mas era algo bom que deveria ser esquecido. A minha mente era um turbilhão de sensações e emoções que ainda não estava habituada a lidar, era tudo novo para mim.
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Z U N D U R I
Romance"Mantenha-se atrás da faixa amarela, não chegue muito perto, não acerque-se de meus traumas, não invada meus mistérios, não atrite-se com o meu passado, não tente entender nada: é proibido tocar no sagrado de cada um"._ Martha Medeiros. Eu ainda sou...