Capítulo 1

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Nunca me identifiquei com os garotos da minha idade. Eles jogavam bola todos os finais de tarde, mas isso nunca me interessou. Na verdade, poucas coisas do universo garotos me chamavam atenção. Naquela época, meu pai insistia para que brincasse com os garotos.
Eles tem sua idade, dizia ele. Precisa ter contato com pessoas assim, Hugo.
Era sutil. Mas já me afetava.

Uma vez, ele se sentou na frente da nossa antiga casa, repousando em sua cadeira de balanço com uma xícara de café gigantesca em mãos, torcendo para que eu fizesse um gol. Para que eu fizesse amigos, para que algo dentro de mim se tornasse mais "masculino". Consegui fracassar em todas.

Não via nada de errado nisso, mas por alguma razão, meu pai via. E para ele, isso era o suficiente.

Eu não era como os outros garotos, e meu pai sabia disso. Negava, mas sabia. Por isso insistia tanto. Talvez quisesse suprir esse sentimento em si mesmo, ao invés de fazê-lo desaparecer. Isso nunca me fez "menos homem" do que eles, mas para minha família, uma boa parte dela, eu era uma " causa perdida", em meio a tantas outras no mundo. Ele tentou por um longo tempo, mas desistiu um tempo depois.

E cá estou, sem ter mudado absolutamente nada. Talvez tenha piorado, considerando que todos têm amigos. Menos eu.

Segunda-feira, o segundo dia mais preguiçoso. Tento levantar umas duas vezes, esticando todo meu esqueleto e rolando de um lado para o outro, sem sucesso. O dia lá fora emana energias preguiçosas, um clima perfeito para viver debaixo dos lençóis. E talvez eu faça isso. Me acomodo entre os cobertores, tentando ficar o mais quieto possível. Invisível para aqueles olhos de gavião. Talvez, me camuflando, minha mãe pense que já estou a caminho do colégio — Para minha infelicidade, dona Maria sabe o filho que tem. Veio cantando e dançando como sempre faz pela manhã. Segundo ela, uma casa sem música é uma casa sem vida.

Posso ouvi-la mexendo algo dentro de sua Tupperware rosa gigante. Sinto cada passo percorrer o corredor, vindo em minha direção, que pousam perto da minha cama. Um silêncio paira. Talvez ache mesmo que não esteja em casa. Talvez meu plano tenha funcionado. Certo? Errado! Sinto o vento gélido consumir meu corpo assim que arranca minhas cobertas, lançando-as para o lado esquerdo da cama.

Hugo: Ei!!! — Grito, encolhendo-me sobre a cama. — Poderia estar pelado aqui. — Ponho as mãos sobre o rosto.

— Como se eu nunca tivesse dado banho em você, criatura. —Arremessa uma das almofadas em mim. — Não pode se atrasar no seu primeiro dia de aula. Estou fazendo bolinhos de caco para o café. Não demore.

"Bolinhos de caco." Não sei por que têm esse nome. Não sei de onde vieram ou como foram inventados. O que sei é que minha mãe os faz maravilhosamente bem! São macios e fofos como panquecas — mas não são panquecas. Alguns, quando são bem passados, criam pequenas crostinhas ao redor, uma verdadeira obra de arte.

Levanto-me desejando que o mundo entre em combustão e que o núcleo da terra exploda. Desejo que todas as coisinhas que orbitam o universo lá fora queimem. Talvez assim eu possa evitar minha ida ao colégio. Não sou fã de escolas, mas qual adolescente é? Creio que nunca conheci alguém que amasse passar horas estudando coisas que possivelmente nunca serão usadas na vida adulta.

Pego minha toalha e entro no box.
Amo banhos demorados e barulhentos. Sempre coloco alguma música para tocar. A da vez foi "Monstros" do Jão. Deixo a água me inundar por inteiro antes de sair. Me seco, coloco o uniforme e bagunço um pouco o cabelo.

— Querido, gostaria que viesse para casa mais cedo. — Está coando o café enquanto vê a reprise da novela no celular. Veste um de seus longos e floridos vestidos. Está linda. Queria dizer isso para ela, mas por algum motivo minha voz trava. — Sua tia vai trazer algumas colegas e vamos fazer uma pequena comemoração. Gostaria da sua ajuda.

Kauã & Hugo ( Romance Gay )Onde histórias criam vida. Descubra agora