Capítulo 8

71 14 0
                                    

✿❀


14h30. Estou na frente da casa dos Marinos, segurando um prato de brigadeiro que minha mãe fez. Parece uma missão simples: subir os degraus, entregar o doce e ficar um pouco por lá. Não é a primeira vez em que estou aqui, já estive antes...mas não havia beijado o Kauã. Mas eu preciso encarar isso. Respiro fundo, arrumo o cabelo e levanto a mão para bater na porta, mas ela se abre sozinha. Meus olhos se arregalam. O Sr. Marino sorri como se estivesse esperando por esse momento.

— Pareço adivinho, não é? — diz ele, jogando o pano de prato no ombro e ajeitando o avental. Não consigo evitar um sorriso. — Não ria, Hugo. Estou fazendo meu prato especial, e sujar minha roupa seria um desastre!

— Na verdade, achei bem estiloso — brinco, enquanto entro. — Minha mãe mandou um brigadeiro para o senhor e para o Kauã. Ela disse que adoraria que vocês provassem. — Entrego o prato, e ele o segura com todo o cuidado do mundo.

— Fico lisonjeado! Aposto que vai ser o melhor brigadeiro que já comi. — Ele guarda o prato na geladeira e, antes que eu possa reagir, bagunça meu cabelo com carinho. — Pode subir. Kauã já está esperando você.—Ele pigarreia e acrescenta, com um sorriso cínico:  Só entre nós... Ele abriu essa porta umas quarenta vezes hoje.

Sinto meu rosto esquentar, e pelo jeito que ele me olha, é óbvio que percebeu. Tento disfarçar e subo as escadas rápido. No fim do corredor, a luz do sol desenha padrões no chão. Laranja e rosa sobre o piso de madeira. Respiro fundo antes de chegar à porta do quarto, observando algumas fotografias espalhadas e então, ele aparece. Me encarando com aquele olhar relaxado que é só dele. Está descalço, com um short fino azul, estampado de ondas. Os cabelos bagunçados, e o pingente de estrela de Davi reluzindo contra a pele.

Kauã: Oie...Huguinho!— murmura ele, como se estivesse esperando por isso o dia todo. Antes que eu consiga pensar em algo para dizer, ele atravessa a curta distância entre nós e coloca as mãos na minha cintura.— Fecha os olhos—sussurra, pertinho de meu ouvido. Obedeço. Fecho.
Por um momento, só existe o som das nossas respirações. Seus dedos começam a traçar linhas invisíveis no meu rosto.
Do queixo até minha orelha, contornando cada detalhe. Um sorriso escapa quando ele faz cócegas de propósito. Continuo de olhos fechados, entregue ao seu toque. Ele percorre minha sobrancelha com lentidão e termina o caminho nos meus lábios.
Quando seu dedo para em minha boca, eu o beijo.— Você é uma tela em branco, Hugo —Murmura contra minha boca. — E eu quero pintar cada parte sua.

Gostaria de ter uma resposta à altura, uma frase bonita, mas nada me vem. Só consigo olhar para ele como se fosse a única pessoa no mundo. E, na verdade, ele é.

Kauã: O que tanto passa por essa sua cabeça? — Diz baixinho, quebrando o silêncio.

Hugo: Penso em várias coisas.

Kauã: E eu sou uma delas?

Desde o dia que nos esbarramos na saída do shopping, meu mundo parou de girar em torno de trivialidades. Agora ele é você, só você. Mas não consigo dizer nada disso. Apenas sorrio.

Meus olhos vagam para dentro do quarto, e noto algo no peitoril da janela. As flores que havia dado para ele.

Hugo: Você as guardou!

Kauã se aproxima do vaso, passando os dedos pelas pétalas como havia feito comigo há pouco.

Kauã: Claro que guardei. Elas são minha prioridade agora. — Ele ri de leve. — Nunca fui bom em cuidar de nada. Matei até um cacto.

Hugo: Como você conseguiu isso?

Kauã: Digamos que sou esquecido... — Ele sorri de lado e me encara. — Mas essas flores... vou cuidar com tudo que tenho. Porque você me deu.

Meu corpo se move sozinho, como se alguma força nos puxasse um para o outro. Abraço Kauã pela cintura e olho dentro de seus olhos. E ali, perdido naquele verde profundo, finalmente entendo o que significa ver a alma de alguém.

Hugo: Sonhei com você essa noite. — Encosto meu nariz no dele, sentindo sua respiração quente contra a minha pele.

Kauã: Eu te desejei a noite inteira — ele responde antes de me beijar. Suas mãos apertam minha cintura com firmeza, e o mundo desaparece. Só existimos nós dois. Seus dedos entrelaçam os meus, nossos cabelos se misturam na brisa da janela aberta.

E quando dou por mim, a tarde escorreu por nossos dedos, e antes que percebamos, já é noite. Kauã deita com a cabeça no meu peito, e meus olhos vagam pelos desenhos nas paredes. Algumas coisas eu reconheço: skates, rostos, paisagens. Outras são apenas formas abstratas, mas isso não importa. O que importa é estar aqui, com ele.
Então, escuto sua voz baixa dizer:

Kauã: Hugo... o que eu sou agora? Tipo, Depois de beijar outro garoto?

Kauã: Você é você. — Puxo-o mais para perto, meus dedos deslizando pelos fios do seu cabelo. Ele inspira fundo, e o calor do ar dele toca meu peito.

Kauã: Mas... e se eu também gostar de garotas? Isso quer dizer que sou bissexual?

Hugo: Talvez. Ou talvez pan. — Dou um sorriso tranquilo. — Não é sobre se encaixar em uma definição agora. É sobre você se permitir sentir, sabe?

Sinto seu corpo se mover, pondo-se sentado ao meu lado. Kauã franze a testa, enquanto seus olhos vagam pelo quarto.

Kauã: Nunca havia pensado sobre esse meu outro lado. Porque, para ser honesto, nunca nem havia cogitado. E se eu nunca me encaixar?

Hugo: Você não precisa se encaixar em nada. — Encolho os ombros. — Identidade e orientação sexual, na minha visão, não é uma linha reta. Cada um segue no ritmo que consegue. Estar confuso não invalida quem você é — Seguro sua mão com firmeza — Você pode amar meninos & meninas, que sempre irá continuar a ser Kauã Marino.

Ele me abraça apertado, e apenas o acolho em mim. Nunca imaginei que ele poderia ter questões sobre isso, porque pra mim, Kauã sempre foi muito bem resolvido com qualquer que seja a coisa que o envolva. Mas, as vezes nem os mais bem resolvidos, estão bem consigo mesmo.

Kauã: Dorme aqui essa noite! Por favor, por favor, por favor! Eu Imploro miseravelmente para sua mãe.

Hugo: Então acho bom começar a ensaiar sua humilhação!

As oito e meia, Kauã ligou pra casa e, milagrosamente minha mãe cedeu aos papaos do meu Kauã. Nós beijamos a noite inteira. Ficamos agarradinhos e assistimos a vários filmes de terror psicológicos. Quando as coisas começaram a ficar mais quentes, decidimos apenas pisar no freio. Sinto que ainda não estou pronto para ir além de beijos e acho que ele também não.

Kauã & Hugo ( Romance Gay )Onde histórias criam vida. Descubra agora