(...) Minta, que habitava o Submundo, mantinha com Hades um relacionamento, interrompido por seu casamento; a ninfa então, procurando recuperar o amante, passou a se vangloriar, dizendo ser mais bonita que sua rival, despertando a fúria de Perséfone (algumas versões dizem que em Deméter). Perséfone, então, pune a moça presunçosa transformando-a em um pé de menta.
Hades estava há algum tempo sozinho escovando seus cavalos na baia do Palácio – a impetuosidade dos garanhões o ajudava a acessar a parte mais calma de si mesmo nos últimos tempos. Não era apenas um rei, mas um juiz. Tinha a capacidade de tomar as decisões mais apropriadas, porém nunca havia estado na posição de sofrer as consequências delas de forma tão dolorosa como naquele momento.
Não fora fácil para ele sugerir que Perséfone pudesse se ausentar do Submundo para passar algum tempo com a mãe na Superfície, mas ele seria incapaz de vê-la em sofrimento e não agir. Ficar em silêncio custaria, a longo prazo, sua capacidade de se sentir digno do amor dela. Fizera o que era certo e justo, mesmo sabendo que estaria causando sofrimento a si mesmo. Ainda assim, mesmo esse sofrimento tinha um sabor agridoce, de saber que sua decisão traria felicidade a quem amava.
– Você sabe que também sinto sua presença, esposa – ele comentou, abrindo um sorriso ao encontrar Perséfone parada, olhando-o com uma expressão confusa, receosa e até irritada – Chegue mais perto.
– Eles não gostam muito de mim... – foi o comentário receoso dela, observando os enormes cavalos negros que começaram a bater as patas no chão enquanto mudavam o peso do corpo de um lado para o outro, inquietos.
– Eu passei a dar menos atenção a eles desde sua chegada. Eles não odeiam você, só sentem ciúmes – acariciou o pescoço do garanhão que escovava, para acalmá-lo, percebendo o olhar vago no rosto dela – No que está pensando?
Ela o encarou, talvez pensando no que dizer, e então suspirou. Ele a sentia muito mais como Cora do que como Perséfone naquele momento, com seus sentimentos chegando tão óbvios em seu rosto.
– Estava pensando que eles ficarão felizes com a minha ausência – ela respondeu, observando-o com bastante atenção – E me perguntando o motivo de você ajudar a minha mãe...
– Escove-o um pouco – ele pediu, entregando-lhe a escova e dando um passo atrás, para que ela ficasse no lugar em que ele estava. Ela aproximou-se, ao mesmo tempo em que fazia um pouco de capim de folhas largas nascer em frente ao cavalo, que abaixou a grande cabeça negra para cheirar e experimentar o novo alimento após um primeiro momento de hesitação.
– Está fugindo da minha pergunta? – ela perguntou logo depois de escovar o pelo do animal algumas vezes.
Ele aproximou-se, encostando seu corpo ao longo das costas dela, estendendo uma mão para envolver a dela que segurava a escova para ajudar com o ritmo e a força que ela deveria usar na tarefa enquanto a outra a enlaçava pela cintura. Ouviu-a puxar o ar lentamente, sem fôlego.
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Perséfone, Deusa Selvagem
RomanceO mito de Perséfone se dedica a falar dos sentimentos dos outros: da mãe, que a priva de ter sua própria vida por tanto querer protegê-la; e do amante, que, por tanto amá-la, a rapta do seio materno para torná-la sua esposa. No entanto, uma deusa a...