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Victor*

         Enquanto eles se distraíam com alguma coisa e "esqueciam" o que acabou de acontecer me vi na obrigação de ficar ligado a qualquer sinal de algo fora do comum. São inocentes demais, dão as costas para o perigo e abaixam a guarda tão rápido quanto levantaram, não entendem que nessa situação todo o cuidado é pouco e um pequeno descuido pode ser uma brecha para um desastre. Ele deveriam ficar em alerta o tempo todo, não sabemos o que nos rodeia e um passo em falso pode condenar tantas coisas que se eles soubessem estariam tensos e não rindo.
            Ah, se eles soubessem...
            Balanço a cabeça para afastar esses julgamentos. O que eu estou pensando?! São apenas crianças que infelizmente tiveram episódios trágicos que os fizeram se unir e chegarem até aqui. Minha menina carregou um fardo tão grande que nem era dela mas não desistiu e mesmo com tudo indo contra, ela juntou seus cacos e formou uma nova família. Sim, família, eles são mais do que amigos, ninguém em sã consciência deixaria o pouco que tinha para atrás apenas para embarcar numa aventura aparentemente suicida por pura diversão. Tinha algo a mais, de algum modo eles conseguiram se encontrar um no outro, conseguiram preencher o vazio de cada um, e fico extremamente aliviado e grato por saber que minha filha não poderia ter escolhido melhor. Juntos eles são mais fortes do que qualquer clã existente nesse mundo, me equivoquei ao exigir que eles fossem tão pessimistas igual a mim, sempre esperando pelo pior. Aparentemente a vida não é feita somente de coisas ruins.
            Respiro fundo me sentindo agitado. Como é estranho estar de volta, as coisas mudaram tanto. Através da janela encaro a densa floresta que cerca a casa, majestosa e até assustadora para alguns, para mim, é um ponto de paz e refúgio.
       Minha atenção se volta para uma pessoa parada no gramado usando um capuz que cobre metade de seu rosto. Aprimoro minha visão e consigo ver que se trata de um vampiro por conta de seus dentes à mostra em um sorriso psicopata, logo ele sobe o capuz revelando sua cara. Matthew.
               Ele olha diretamente em meus olhos ainda carregando um sorriso sínico e joga algo no chão antes de se virar e sair a todo vapor de volta a floresta. Sem pressa caminho para fora da casa e fecho os olhos ao sentir a brisa gélida bater em meu rosto. Como eu senti falta disso. Chego na onde Matthew se encontrava e pego o papel que ele havia jogado, abro-o e sorrio ao ver que se tratava de um mapa fajuto. Ele não perde tempo. Me surpreende o fato de ele ainda estar vivo.
              Victor: Matthew, Matthew. Vou ter a honra de arrancar sua cabeça quando tudo isso acabar. — Sussurro a mim mesmo.

             Com o mapa em mãos, sigo as instruções sem pressa alguma. Não uso minhas habilidades para chegar rápido ao destino, imagino que a espera seja mais torturante a eles. Sei que estarão contando os segundos para minha chegada e passarão a ficar apreensivos conforme o tempo passa. Eles não são tão burros, sabem com quem mexeram e que de qualquer modo sairiam perdendo, mas a intenção deles é acabar com isso com o menor dano possível para eles e com um brasão de honra por não terem fugido.

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            Eu realmente esperava um castelo ou algo do tipo. Por ser o clã mais velho e duradouro imaginei que não mudariam seus hábitos, mas aparentemente pensei errado, foram avançando junto com as gerações. Eu que parei no tempo.
          A minha frente um enorme portão juntamente com os muros extremamente altos protegem a sede deles. Uma mansão enorme que mais parece uma prisão por conta da quantidade limitada de janelas e das cores escuras presentes nas paredes. Ainda assim é possível notar traços de séculos atrás que eram comuns em clãs como as famosas gárgulas.
        O portão faz um barulho indicando que estava sendo aberto e assim que abre espaço suficiente ando pelo rodeiro que leva até a porta principal que se abre antes mesmo de eu chegar até ela. Adentro a casa e paro no meio dela olhando por todos os lados, não há móveis e nem algo do tipo, por dentro é extremamente diferente do que se imagina por fora, se trata de um salão com detalhes medievais e um tanto sujo com escadarias que levam aos andares superiores.
         -  Victor! Infelizmente Matthew é um covarde e não cumpriu a ordem de trazer a cabeça daquela aberração na qual você chama de filha.
          Vocifero ao ouvi-lo insultar Selene e busco pela direção de sua voz que ecoa no salão vazio.
         -- Sabe, depois de tantos séculos seu irmão resolveu se rebelar e te soltou, não consigo imaginar o que se passou na cabeça dele. Uma aberração igual a você nunca deveria ser solta! -Escuto seus passos - Ele só não contava que meu pai nunca deixou de observá-lo, é claro que já sabia de todo o esquema mas mesmo assim ele queria dar uma lição a vocês dois, então permitiu que você fosse livre por um curto período apenas para ter o prazer de arrancar isso de você, ele queria que você saboreasse o gostinho da liberdade pois seria mais satisfatório acabar com isso depois. Quão foi a surpresa de saber que você se interessou por uma humana e melhor, a engravidou. Tão rápido que chega a ser patético, você nem soube aproveitar sua falsa liberdade. Ele foi pessoalmente marca-la e decidiu que já era hora de você voltar pro lugar de onde nunca deveria ter saído, eu ainda tentei convencê-lo de que o melhor a fazer seria mata-la também, mas ele recusou alegando que quebraria nosso código de ética com os humanos, sorte a dela. E bom, Felipe tornou a nos dar trabalho e roubou o disco de ouro, escondendo-o em um lugar tão óbvio mas que ninguém imaginou, até a pirralha de sua filha encontrar.
          Uma figura se prostra na minha frente, pálida e com um sorriso sacana mostrando seus caninos. A essa altura minhas mãos tremiam de raiva, foi tudo programado. Eles me deixaram sair apenas para ter o gosto sádico de me prender de novo.
          - Sabe o que fizemos com ele? - Me olha no olhos - Torturamos-lhe de todas as formas possíveis por dias e noites, durante meses e meses. Mesmo depois de anos, ainda posso escutar seus gritos, soam como uma bela melodia para mim. — Sorri mais ainda.
          - Cale a boca! - Fecho os olhos e minha respiração fica ofegante, sinto o sangue ferver e meu instinto animal querer tomar forma.
         — Tenho que admitir, ele resistiu bem e mesmo sob todos os tipos de torturas que você possa imaginar, ele não nos disse nada. Percebi que ele não duraria mais um dia, já estava nas últimas, então fiz um grande favor de acabar logo com o sofrimento dele — Deu de ombros como se fosse algo normal — Todo o nosso clã estava presente e ciente da traição de Felipe, ele foi o melhor exemplo que tivemos para alertar que em nosso clã não toleramos traidores. Assistimos ele ser queimado pelos poucos raios de Sol, no qual tive o cuidado de ocorrer o mais lentamente possível.
           — Vocês enchem a boca ao falar que os lykans são aberrações, mas a realidade é que sua raça é de uma linhagem podre. Seu clã merecia estar morto juntamente com seu pai, ele que viveu todos esses anos se auto declarando o vampiro mais forte e destemido mas que no fim foi morto por uma menina de 18 anos. Queria ter tido eu a honra de partir a cabeça dele ao meio, mas eu posso me contentar apenas com o filho. — Rosno.
           Me seguro ao máximo para não parti-lo ao meio, sei que não estamos sozinhos, o fedor de vampiros extremamente forte me deixa enojado, indicando que há mais deles espalhados pela casa, só estão aguardando um passo em falso para me atacar. Respiro fundo organizando minha mente, tento focar no meu objetivo de ter vindo até aqui. Não quero mais guerras, provocações e riscos, a única coisa que eu desejo é poder viver em paz junto com minha nova família, quero aproveitar minha liberdade sem ter o risco de alguém arrancar isso de mim, e se isso não for possível, que seja pra eles, se for necessário ofertar minha vida para que minha filha e os demais possam viver tranquilos, o farei sem pensar duas vezes.
            — Mas me diga, Victor, você realmente acha que consegue me matar? — Ri exageradamente — Há séculos que eu tenho caçado cachorros imundos iguais a você, eu ao menos sei pontuar a quantidade, foram tantas e tantas que até perdi a conta. Seres irracionais que até séculos atrás serviam para alguma até que com o passar dos anos perderam suas utilidades, então fui matando os que restaram. Era a coisa mais fácil do mundo, e continuará sendo enquanto esses viralatas trombarem meu caminho.
           — EU PROPONHO UM DESAFIO! — Grito para que todos da casa fiquem cientes, o que funciona pois diversos vampiros se apresentam no andar superior das escadas. Podem ser o que for, mas se tem algo pelo qual eles se importam e respeitam é um desafio, independente se for ganho ou não. Eles me observam com nojo, desdém e curiosidade, me incentivando ainda mais a prosseguir. — Uma luta limpa e justa, sem qualquer instrumento. Apenas corpo à corpo. Se eu vencer, vocês deixarão eu e minha família em paz, nunca mais ousarão chegar perto de nós. Caso eu perca, podem fazer o que quiserem comigo, matar, torturar ou prender, mas somente a mim e mais ninguém.
                Olho diretamente para Fergus que apenas dá de ombro com um sorriso sacana no rosto. Ele vira-se de costas para mim olhando um grupo específico de vampiros lá em cima e abre os braços como se fosse fazer parte de algum espetáculo.
              — É muito pouco para nós, uma pessoa só para tantos membros presentes aqui. Vocês concordam comigo, meus amigos?
              As marionetes sacodem a cabeça em concordância e todos, sem exceção, riem alto num gesto de pura loucura. Fergus torna a me encarar e chega mais perto novamente, fazendo um sinal para eles se calarem.
             — Acho que podemos melhorar isso, não? Eu aceito se o prêmio for você e sua filha bastarda. Terei a honra de ir buscá-la pessoalmente, fique tranquilo que meus pensamentos são os mais perversos em relação à ela. — Sorri mais ainda.
             Eu não colocaria Selene em risco se houvesse a mínima probabilidade de eu perder, jamais usaria seu nome e sua vida em vão se não tivesse certeza que eu seria o vencedor dessa luta. Mas eu tenho certeza que isso acabará hoje e não seremos nós a ser o prêmio.
             — Eu aceito! 
             — Vocês escutaram, não precisarei repetir! — Diz virando-se à eles novamente agora com uma expressão séria. — Meu clã, vocês são testemunhas do que foi dito aqui nesse momento, estarão cientes de que qualquer que seja o resultado desse desafio, deverá ser respeitado por todos. O não cumprimento do acordo de ambas as partes acarretará em graves consequências para os dois lados! Prometo honrar a morte de meu falecido pai. Por nós! 
           Como um ritual, ele morde o próprio pulso e ergue o braço com punho fechado em direção aos vampiros.
          — POR NÓS — Eles gritam em uníssono, fazendo o mesmo gesto que Fergus, deixando o sangue escorrer pelos seus antebraços.
         — Por favor, me acompanhe. Tenho certeza de que meu querido clã queira estar mais confortável para assistir ao espetáculo. Mandei preparar a mesma arena no qual assistimos seu irmão queimar. — Seu sorriso insistente apenas me faz pensar em como seria a sensação de arrancar dente por dente de sua boca, principalmente os caninos que ele faz questão de deixar à mostra. 
          Assinto e começo a segui-lo, mas um barulho lá fora me chama a atenção e logo a porta é aberta revelando Selene e companhia, me deixando ainda mais furioso. Retiro todo meu momento de reflexão de horas antes em achar que eu estava sendo injusto ao chamá-los de inocentes e sem visão de perigo, agora tenho total certeza que se juntar todos eles, não tem o juízo e senso de perigo de um único ser em sã consciência.
        — O que vocês estão fazendo aqui? - Rosno com raiva e preocupação misturados.
        — Por quê o senhor veio aqui sozinho? Não faça isso pai, podemos tentar resolver de outro jeito, chega de brigas, chega de mortes. Podemos entrar num acordo mútuo, por favor. — Lágrimas escorrem em seu rosto fazendo meu peito doer. Eu queria que as coisas fossem tão fáceis do jeito que ela pensa, mas a realidade é outra, a nossa é.
        — Não se preocupe, pequena aberração. Quando tudo acabar, seus amigos estarão livres, meu prêmio será apenas vocês dois. — Fergus dirige-se à ela.
        Olho sua expressão assustada e ofereço-lhe um sorriso para reconfortá-la. Olho diretamente em seus olhos tentando lhe passar confiança e é o suficiente para fazê-la entender que essa luta já está ganha, não há nada a temer, eu nunca arriscaria sua vida se não fosse por uma causa já certa. Fergus matou centenas de lykans, mas nunca conseguiu chegar perto o suficiente de um sem ter algum tipo de arma. Silenciosamente lhe faço uma promessa. "O que eu não pude te proteger durante todos esses anos que passaram, compensarei agora. Farei o possível e o impossível para garantir seu futuro e daqueles que você se importa".

     

          

          
         

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⏰ Última atualização: May 31, 2023 ⏰

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