VI. Viagem.

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Remetendo à tempestade anteriormente mencionada, agora o estado é outro.

A chuva acalmou. Continuava sem chapéu de chuva, mas agora conseguia enxergar melhor o caminho adiante de mim. Com as roupas ensopadas, o cabelo a pingar e a pele gelada, parei para respirar e sentir o cheiro que a Terra emana depois da chuva.

Ainda chovia, mas podia sentir o cheiro da terra molhada e o vento frio a brincar com a pele da minha face. Poderia ter continuado a caminhada, mas o cansaço não o permitiu. Decidi então para e apreciar o caminho, pois talvez estivesse (e ainda esteja um pouco) excessivamente concentrada em alcançar as luzes, sem me aperceber de que a beleza da transformação está no caminho, e não no seu destino.

Pela primeira vez olhei para trás, algo que me habituei a não fazer. Qual não foi o meu espanto quando reparei que o caminho estava já seco. A terra no chão estava seca, não havia qualquer vestígio de natureza a crescer a partir dela, apenas podridão crua e nua.

Quando passei por aqui, não estavam flores à minha volta ? Árvores, casas, ruído de fundo que tentava a todo o custo ignorar no meio do vazio que atravessava e ainda atravesso? - questionei.

Foi aí que parei e observei melhor o caminho. Não o que foi feito, nem o que estava pela frente, mas sim o pedaço em que me encontrava parada.

A chuva continuava a cair, mas eu conseguia ver melhor. A chuva continuava a cair, mas a minha roupa já estava a começar a secar. A chuva continuava a cair, mas os meus pés não estavam ensopados. A chuva continuava a cair, mas eu não a sentia mais a atingir o meu corpo.

Olhei para cima, confusa, e vi um chapéu de chuva feito à minha medida. E foi aí que percebi que os braços que o seguravam saíram, mas ele não desapareceu. Os braços certificaram-se apenas de que, no meio do vendaval, o chapéu não voava da minha mão.

No final de tudo, houve um braço que se manteve firme: o meu. A chuva que senti foi de estar a segurá-lo incorretamente, mas nunca deixei de fazê-lo.

As lágrimas escorrem lenta e pacificamente pelas minhas bochechas, e um pequeno sorriso decidiu aparecer.

A minha essência continua aqui. Eu continuo aqui, e continuo a lutar. Afinal, é realmente verdade: o processo é muito mais belo que o resultado final... apenas tenho de confiar verdadeiramente nele.

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