Ep. 13 - Confiança?

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Os ouvidos de Anita se fecharam; ela não conseguia mais enxergar, ouvir, sentir nada. Era como se estivesse submersa debaixo d'água, em um rio sujo e turvo, que infectava suas entranhas a cada vez que tentava puxar um fôlego. Seu peito estava pesado, suas narinas fechadas, sua cabeça girando. Estava se afogando.

Ela ainda conseguia escutar ruídos abafados e frases sufocadas, que pareciam vir de Verônica. Ela não entendia o que ela dizia, sequer conseguia enxerga-la; era uma presença que apenas parte de sua mente conseguia reconhecer.

A delegada começou a sentir suas mãos suando frio, e suas pernas estavam perdendo a força.

Matias fugiu.

Justamente quando Anita entendera, finalmente, tudo o que acontecera em sua infância, que ela abrira aquela porta para acessar os seus traumas, suas dores, quando conseguira falar com alguém sobre isso, quando tudo estava tão recente, quando a possibilidade de vê-lo doía em si mas podia confiar que jamais precisaria fazê-lo novamente - ele ressurgiu.

Pela primeira vez, Anita se lembrou com clareza do dia em que morrera.

Matias fora para sua casa. Ele nunca fazia isso. A delegada estava no auge da tensão. Estava prestes a expor aquele homem para a mulher que mais odiava na vida; mas não só isso. Pela primeira vez na vida, ela enxergava algo naquele homem que não enxergava antes.

Ela enxergava o seu abusador.

Por isso, foi como se ela tivesse esquecido de todos aqueles anos em que aprendera como lidar com ele. Como conversar com ele. Como agir perto dele.

Então, quando se virou para pegar a garrafa e servir o pastor, a única coisa que conseguiu fazer quando sentiu suas mãos em seus ombros foi travar. Sentir um arrepio subir por toda a sua espinha, e um pavor tão grande que se sentiu como se tivesse voltado a ser criança, com medo daquele monstro dentro do armário.

Mas, dessa vez, o monstro era muito real. E estava lhe tocando de novo, do jeito que odiava ser tocada.

Antes de conseguir sair de sua paralisia, o monstro torceu seu pescoço e ela estava morta.

- Anita. - A voz de Verônica cortou pela camada de desespero que engolia a delegada - Anita, olha pra mim.

A escrivã precisou colocar o rosto da delegada entre suas mãos, forçando-a a olhar para seus olhos, para que ela conseguisse lhe ouvir. Verônica estava assustada ao ver Anita daquele jeito. Estava pálida, tremendo, seus olhos claros que sempre a lembraram do oceano agora, de fato, afogados em água. 

- Ei, olha pra mim. - Verônica tentou manter sua voz a mais tranquilizadora possível - Respira fundo. Calma.

A delegada encontrou os olhos da escrivã, tentando normalizar a respiração. Seu coração, antes palpitando, agora tentava achar seu compasso normal.

Ainda olhando fundo nos olhos de Verônica, como se ali ela conseguisse encontrar o centro de paz que precisava, o controle que acabara de perder, Anita umedeceu os lábios e falou, com a voz falha:

- Sua família está em perigo.

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O celular que Paulo usava para entrar em contato com Verônica começou a tocar. O ex-marido da escrivã apanhou o aparelho e atendeu, uma expressão de seriedade tensa no rosto.

- Oi, Verô. - Disse ele - Acabei de ver aqui.

Ele encarava a tela da televisão que anunciava a fuga do pastor Matias Carneiro.

- Paulo, você precisa sair do estado. - Disse Verônica, com uma urgência na voz que há muito Paulo não ouvia - Levar os meninos pra bem longe desse crápula.

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