Ep. 08 - A Delegada e a Escrivã

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Desde a última operação em que tentaram encurralar o juiz, haviam passado-se alguns dias. Ele de fato deixara o caso e agora o responsável era alguém que não tinha ligação com a máfia de Matias.

Com o passar do tempo, Verônica continuava constantemente tentando convencer Anita a se revelar para o mundo, para cortar o mal pela raiz, poderem acabar com essa situação de uma vez por todas e Verônica poder voltar para sua família. Mas a delegada sempre cortava o assunto antes mesmo dele começar. Então, entendendo que isso ainda era fruto de um receio do que poderia acontecer caso viesse a tona, a escrivã decidiu simplesmente continuar trabalhando junto a delegada em pequenas operações até que ela se sentisse segura o bastante para tal.

Verônica continuava tentando extrair informações, e Anita chegou a abrir sobre algumas pessoas da organização, mas permanecia se recusando a falar do orfanato; a escrivã decidiu não mais insistir. Agora, a relação de ambas ainda passava longe de ser amigável, mas era, ao menos, cordial. A escrivã mantinha contato com a família, mas nunca mais falara com Glória, que sumiu do mapa.

Anita estava saindo do banheiro depois de lavar o rosto; era uma rotina que gostava de fazer logo ao acordar. Na sala, Verônica estava praticando boxe com um saco de pancadas. "De onde veio esse saco?", perguntara Anita da primeira vez que o vira pendurado. "Ele está sempre comigo", foi o que respondera Verônica. Não houve mais questionamentos depois disso.

A escrivã usava um top preto bastante apertado e uma calça legging da mesma cor. Seu cabelo, ainda tingido de loiro mas com as raízes escuras cada vez mais visíveis, balançava com os impactos dos socos, enquanto alguns fios solitários colavam em sua testa devido ao suor. A expressão em seu rosto era de pura concentração.

Anita passou os olhos pelo corpo de Verônica, de cima a baixo. Nos primeiros dias, a delegada tivera dificuldade de se acostumar com o fato de que a escrivã gostava de malhar logo cedo de manhã.

E, às vezes, à tarde.

Ou sempre que quisesse se concentrar.

Aparentemente, era uma forma que encontrara de acelerar o funcionamento do cérebro, ou uma válvula de escape. De qualquer maneira, a princípio foi desconcertante para Anita acordar e dar de cara com uma mulher de corpo semi exposto, suada e treinando. Mas o que mais desconcertava a delegada era o fato de que sempre se pegava observando Verônica, acompanhando cada movimento e cada centímetro do seu corpo. Inicialmente, odiava isso em si, e procurava meios de fugir. Mas não conseguia evitar: sempre que se deparava com o corpo suado de Verônica coberto por uma roupa de ginástica, esmurrando um saco de pancadas, seus olhos claros agiam sozinhos e perscrutavam cada centímetro. Eventualmente ela desistira de resistir, já que não conseguia evitar, e agora só se preocupava em não ser flagrada.

Então, Anita se viu parada na porta do banheiro enquanto passeava os olhos pela barriga exposta de Verônica, os braços fortes. Ela sempre se pegava mais presa nos braços da escrivã.

- Você não faz outra coisa da vida não? - Questionou a delegada, passando para a cozinha. Verônica soltou uma risada.

- Sim, salvo a sua raça. - Respondeu ela, e Anita revirou os olhos, mas com um sorriso divertido.

A delegada foi até o armário da cozinha e o abriu, pegando um pacote de torradas. Passou um pouco de chocolate em pó nelas e comeu. Verônica parou um pouco de socar e olhou para ela, levantando uma sobrancelha. Anita percebeu.

- O que foi, hein? - Perguntou.

- Por que você é tão estranha? - Questionou a escrivã, voltando a desferir socos no saco - Torrada com chocolate em pó?

- Você já provou?

- Óbvio que não. Eu sou uma pessoa normal.

- Você passa o dia inteiro socando um saco, Verônica.

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