A Sankta do Sol está entre nós

122 11 0
                                    

   Já era princípio da madrugada, e o banquete prosseguia a todo vapor. Se não eram os pratos que continuavam brotando à mesa, eram os nobres se prestando a manterem as conversas acesas dentro das rodas sociais.

   Vasily, que provavelmente já havia chegado ao seu limite de taças de vinho, já havia abdicado da cortesia em fazer companhia a sua noiva, para voltar seus olhos afetados a Katerina, que já parecia esperar por tal atenção do tsarevich pelo modo como abanava o leque na altura do busto. Yelena se incomodava com a cena não por verdadeiramente lamentar o desinteresse de seu noivo em relação a si — na verdade, acreditava que aqueles dois formavam um belíssimo par de medíocres — mas sim por aquilo só comprovar o quanto sua presença parecia meramente decorativa dentro da Corte.

   Quase a fazia sentir saudades da época em que seu sobrenome era o suficiente para ter as lisonjas de seu noivo, que por mais enfadonho que fosse, continuava sendo o herdeiro do trono que também seria seu por direito, através do casamento de ambos.

   “Fico feliz que alguém pelo menos aprecie a 'decoração' aqui” ironizou em seus pensamentos, rindo intimamente ao notar que por mais de uma vez naquela noite deparou-se com os olhos do General do Segundo Exército voltados para si. Com certeza a última conversa que haviam tido antes de adentrarem o salão era a explicação para tais olhares, e era muito pouco provável que estes estivessem carregados de algum tipo de luxúria, mas a vaidade da moça se permitia tirar algum proveito da situação toda.

   Quando o próprio Rei dera um basta à confraternização toda, Yelena se permitiu ser uma das últimas a abandonar o salão, na expectativa de não evidenciar tão nitidamente seu desejo de retornar a seu quarto o quanto antes. O que não poderia esperar nisso tudo era que alguém fosse se usar justamente disto para se aproximar.

   — Amanhã será um dia em que todo o Grande Palácio estará em polvorosa com a chegada da Conjuradora do Sol. Talvez haja alguns minutos de distração  para que possa conversar com Alina, nesse meio tempo. — era o Darkling, que mal tivera tempo de lhe sussurrar essa promessa antes que se afastasse, provavelmente rumando de volta ao Pequeno Palácio, onde alguns grishas certamente aguardavam pelo retorno de seu General.

   Yelena tentou não criar muitas expectativas em cima de tal oferta. A verdade era que ainda não conseguia crer que havia comovido o senhor do Segundo Exército a ponto dele lhe conceder tal dádiva, e portanto lhe restou passar o resto da madrugada remoendo sobre.

   Quando as criadas chegaram no dia seguinte, levantando-a bem cedo para a aprontarem para “o grande evento do dia”, a jovem procurou disfarçar a fadiga por trás de sua noite mal dormida com sorrisos e um bocado de maquiagem, até não tardar muito e já estar rumando para a Sala do Trono acompanhada do restante da família real.

   Como já era de se esperar, não era a única tentando se mascarar, já que nem mesmo as roupas finas de Vasily pareciam disfarçar a dilatação em suas pupilas ou as olheiras abatidas do que deveria ter sido uma noite regada em bebidas e talvez uma visita noturna aos aposentos de Katerina.

   — Ovo e alho servem para cortar esse mau estar. — Yelena se arriscou a dizer, sentindo-se inusitadamente revigorada naquela manhã. Talvez fosse aquela satisfação em ter encontrado algum apoio naquela Corte.

   O tzarevich devolveu sua sugestão com um olhar atravessado, recheado de surpresa e vergonha, pouco antes de simplesmente lhe virar a face, parecendo disposto a ignorá-la em suas falas. Yelena não poderia se importar menos com sua indiferença.

   Após o assentamento da Família Lantsov e de alguns nobres, o resto da cerimônia foi um pouco mais rápida — com a procissão de grishas e oprichnik se aprontando em sua devida ordem — até que o Darkling finalmente chegou acompanhado daquela que todos mais aguardavam: Alina Starkov, a Conjuradora do Sol. Yelena não sabia bem quem ela esperava, mas certamente seu peito se apertou ao ver a garota com seus traços mestiços entre shu e ravkano.

   Definitivamente era nova demais para deter tanto poder consigo.

   Mas quando o Darkling fez o salão todo ser engolido em trevas apenas para fazer Alina explodir em uma supernova que inundou o lugar em luz solar, não houveram dúvidas de que ali se apresentava um milagre vivo, que até então se jurava existir apenas entre mitos e lendas camponeses.

   A Sankta do Sol estava entre eles!

   — Louvada seja! — pôde ouvir Katerina soluçar um pouco mais abaixo dos tronos, fazendo um sinal sacro à Conjuradora do Sol.

   Logo não tardou que mais repetissem seus gestos e o salão explodisse em burburinhos que divergiam entre incredulidade e felicidade. Yelena mal tivera tempo de processar até o momento em que o tzar se levantara de seu próprio assentamento para cumprimentar Alina e trocar breves palavras com o Darkling, que pareceu aproveitar este mesmo instante para lhe lançar um olhar cúmplice, sinalizando que a promessa da noite anterior se mantinha de pé.

   — Ande, nós iremos para minha sala privada! O General assegurou que nos mandaria a menina-sol assim que fosse possível! — a Rainha Tatiana sussurrou apressada em seu ouvido, e Yelena piscara afim de recobrar a consciência do presente.

   A Sankta do Sol estava entre eles!

   A verdade é que, apesar da família Belikov não ser descendente de kerchs, os anos de próspero comércio em Ravka Oeste os haviam feito compartilhar muito mais da fé e apreço pelo trabalho — tal qual os cidadãos de Ketterdam — do que pelos santos dos camponeses ravkanos. O problema era que parecia especialmente difícil não associar a demonstração que acabara de ver a algo no mínimo milagroso, ainda mais quando se tratava de uma solução que nunca se imaginou ser possível: Alina Starkov tinha o dom que poderia botar a Dobra das Sombras abaixo.

   Yelena Belikov procurou fazer seu melhor para aliviar o choque em suas feições quando foram todas levadas para a Sala da Rainha, com Alina Starkov chegando um pouco depois. Francamente, fora um desastre se levar em conta a insensibilidade de Tatiana, que parecia mais preocupada em romantizar a origem órfã da menina do que mostrar um pingo de humanidade que fosse.

   — Lamento, moya tsaritsa, mas há de perdoar a Senhorita Starkov caso ela discorde do fato de ser uma órfã ser uma “maravilha”. — Belikov pontuou, talvez carecendo da sutileza com que pensou sua fala antes de verbalizá-la. — É uma lastima que tantos de nosso povo tenham perecido nos últimos anos, e sinto muito que tenha tido sua cota de perdas. — de qualquer forma prosseguiu, dessa vez dirigindo sua fala diretamente à Alina, que pareceu espantada em ouvi-la de forma tão repentina.

   — De fato, moya doch’. A perda dos nossos é quase tão lamentável quanto o fracasso em nossas últimas tentativas de reverter nossa precária situação. Gostaria de compartilhar com a Senhorita Starkov a história que a trouxe ao Grande Palácio? — Tatiana fora rápida e mordaz em sua resposta, e Yelena teve de sorrir para conter sua língua de pronunciar algo que a pusesse em maus lençóis. — Foi o que eu imaginei.

   — Não há mal algum em compartilhar tal história, afinal, a Senhorita Starkov já é uma de nós em Os Alta. — de repente a dama se pronunciou, para a surpresa das demais. — Minha família tinha grande influência em Ravka Oeste, e esperávamos que essa influência pudesse ajudar toda Ravka a se reunificar. Quanto à resolução desta história, basta dizer que atualmente você seja a única que possa concluir a missão que me trouxe a Os Alta, Alina: precisamos de uma ponte entre nosso reino. — e concluiu, tornando seu olhar à rainha, desafiando-a a fazer troça de sua história agora que não havia muito ocultado para exagerar. — Louvada seja pelos serviços que prestará à Família Real e ao nosso povo, Senhorita Starkov!

   As demais damas aplaudiram as falas de Yelena mais na tentativa de abafarem o clima estranho que pareceu se instaurar no recinto do que por terem ficado verdadeiramente tocadas, e Alina apenas se propusera a copiá-las, batendo palmas de forma débil, enquanto se perguntava como poderia escapar do circo em que o Darkling acabara de lhe jogar.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Nov 06, 2022 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Saints save the Queen - Oc x Darkling x NikolaiOnde histórias criam vida. Descubra agora