4 - Unrecognizable

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A garota senta-se na poltrona ao lado da que estou e apoia os cotovelos no joelho, afundando a cabeça nas mãos. Seus cabelos escuros caem levemente sobre seus ombros durante os minutos que se passam enquanto aguardo qualquer reação surgir da parte dela.

- Como foi que isso tudo aconteceu? - Ela sussurra para ninguém em especial e não sei se devo responder ou não.

Sem ter certeza, continuo calada. O cômodo permanece silencioso por alguns tortuosos minutos.

- Eu nem sei por onde começar. - Diz agora, depois de um suspiro. Ela joga os cabelos para trás e sua voz está afetada. A garota vira seu rosto para mim. - Eu sou Lauren. Lauren Michelle Jauregui. Aquela é Dinah. Eramos amigas de sua mãe. - Sei que ela está tentando ser paciente quando estende a mão para mim. Cedo ao aperto. Sua mão é gelada e me dá um leve calafrio na nuca. Lauren pisca algumas vezes. - O que te trouxe aqui, Karla?

Estranho como as pessoas daqui se chamam de forma nem um pouco cordial, assim, pelo primeiro nome. Faço uma nota mental de que tenho que me acostumar com isso.

- Este dia tem sido intenso. - Digo, tentando aliviar o peso de meus ombros. - Parece que se passaram meses. Tudo está acontecendo rápido demais.

- Foi...Foi hoje? - Ela pergunta, com seus expressivos verdes olhos completamente surpreendidos.

- Sim. Loucura.

- Você conseguiu um teletransportador para passar pela divisa em um dia?

- Tenho meus contatos. - Digo, tentando parecer descontraída.

- Certo.

O silêncio retorna e lembro-me de sua pergunta inicial.

- Minha mãe queria que eu viesse aqui. E eu... Eu quero descobrir o que houve. Por que tudo isso aconteceu com ela.

- Ela queria que você viesse aqui. - Lauren repete, mais para si mesma do que para qualquer um. Sua testa franze. - Tentaremos te ajudar a descobrir toda a história, Karla, já que também é de nosso interesse. Sinu disse mais alguma coisa?

- Ah! Ela escreveu uma carta. - Digo, lembrando-me da caixa em meu colo. Abro-a rapidamente e pego o envelope novamente. - Foi nesta caixa que ela deixou o cartão de visita dizendo para eu vir aqui, também.

Lauren pega o envelope da minha mão e murmura um "obrigada" murcho.

"L.

Espero que está carta não seja necessária. Mas, caso seja, sei que Karla está aí agora. E também sei que você está lendo em alto e bom tom para que ela ouça e se sinta confortada. Porque é isso o que você faz, Lauren. Você tenta confortar os outros, mesmo quando ninguém te conforta.

Lauren lê aquilo e seus olhos ficam marejados. Minha mãe conhecia ambas de nós melhor do que poderíamos esperar.

Eu não sei como Karla terá chegado aí, mas sei que ela não pensou em desistir em nenhum momento. E é por isso que sei que não há pessoa melhor para eu pedir este favor do que você, Lauren. Vocês duas são cabeças-duras, e não vão desistir tão cedo.

Vou te pedir algo grande. Algo que fiz você esperar por muito tempo. Estou dando o passe livre para que lute por sua causa, Lauren.

Leve Karla até o laboratório. Cuide dela como se fosse o seu maior objetivo na vida. Eu não posso deixar que nosso trabalho se perca, e sei que você é minha melhor escolha.

Diga a Karla para que ela passe a usar seu segundo nome. Ela não pode ser reconhecida, mesmo fora da Costa Leste. Eliminem qualquer pista da identidade dela. Escolham um novo sobrenome para ela. Vocês são criativas o suficiente para isso.

Confiem uma na outra, minhas meninas. Vocês serão um time agora. Não tenho mais tempo para escrever explicações. E lembrem-se:

Quando a claridade te cegar, siga a sombra.

Me deixem orgulhosa!

S."

Lauren dobra a carta e a coloca no bolso enquanto seca os olhos com as costas de uma mão. Dinah também parece emocionada enquanto fita seus pés ainda no batente da porta. Eu não faço ideia de como reagir.

- Seu segundo nome, uh? - Diz Lauren depois de um tempo, enquanto mexe em vários papéis na mesa central do escritório.

- Camila.

- Certo, Camila. Aparentemente, nós teremos que fazer uma viagem. - Ela vira-se para mim e algo na minha expressão a faz explicar sua frase rapidamente. - Não hoje, é claro. Você está cansada e eu... Estou confusa. DJ, você pode arranjar roupas limpas e um quarto para ela, por favor? Vou ter que resolver algumas coisas por conta disso tudo.

Dinah assente com a cabeça e sorri para mim, chamando-me. Algo que ainda não sei o que é me fez simpatizar rapidamente com o jeito dela.

Saímos do escritório e descido deixar a caixa com Lauren. Volto a ouvir a música ensurdecedora do Clube e me pergunto o que eles usam para impedir o som de se expandir para o lado de fora. Dinah sobe uma escada de madeira avermelhada e a sigo, me sentindo intimidada por alguns olhares. Ela destranca uma porta assim que chegamos ao topo da escada.

O andar de cima é simplesmente uma casa. E que casa.

A sala é ampla e clara, esplendidamente branca e sofisticada. Os detalhes tem todos tons vermelhos e pretos. O ar acolhedor me deixa menos nervosa com toda aquela situação.

- É só virar àquele corredor que você chega no banheiro. Vou ver se tem alguma roupa da Lauren que sirva em você.

- Okay. Obrigada. - Respondo, indo para onde fui direcionada.

Quanto mais ando pela casa, mais me sinto longe da minha. Até ontem, a essa hora eu estava chegando da faculdade e ligando para o trabalho da minha mãe, avisando-a que estava bem.

E agora eu não tenho mais nada.

Abro a primeira porta que vejo e encontro um banheiro pequeno e confortável. Ele é mais escuro do que a sala de estar.

Tiro o jaleco de minha mãe e meu vestido azul, sentindo-me completamente órfã. De casa, de família, de cor, de gene. De mim mesma.

Entro no box e aperto o botão que faz os jatos de banho caírem do teto e tirarem o peso e a sujeira do meu corpo. Incrível como é refrescante. Não consigo nem pensar em como as pessoas de antigamente tomavam banho com água. Hoje, é completamente proibido e inimaginável não usa-la só para beber, cuidar de jardins ou animais.

Os trinta minutos obrigatórios do banho se acabam e os jatos de banho cessam automaticamente. Um pequeno quadrado se abre na parede do box e e pego a toalha que surge nela. Me enrolo, e abro a porta esperando algum sinal de Dinah. Ando em passos finos e não a encontro.

- Kar... Camila. - Ouço a voz de Lauren me chamar e sigo o som com a cabeça. Ela está em frente a porta de um quarto, me observando. - A Dinah pegou essa roupa aqui para você.

- Oh. Certo. - Respondo, apertando-me mais na toalha enquanto vou em sua direção e pego o montinho de tecido em suas mãos.

Volto para o banheiro sentindo sangue em minhas bochechas. Eu já usei do banheiro e das roupas dela, o que mais falta?

Visto-me rapidamente e encaro o espelho que mostra uma garota idêntica a mim, agora vestida de puro vermelho. Pode ser paranoia, mas já me sinto irreconhecível.

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