capítulo dez | destino

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Acabei adormecendo enquanto via meu reflexo na janela e observava a chuva. Um sono pesado, mas que me renovou. Acordei com o barulho das louças sendo colocadas na mesa e foi onde eu vi que além de ter dormido sentada - Nedda me cobriu com uma manta, provavelmente durante a noite -, eu havia dormido demais da conta.

– Flaviane, acordou, Bela Adormecida? – ainda sonolenta, levantei e parei na frente de Betina, a primeira namorada de Neném e minha amiga, que
aluga um dos quartos na casa de Nedda.

– Que horas são? – falei, me dando conta que Nedda já estava colocando uma travessa de macarrão com almôndegas na mesa.

– 13h30 da tarde, acho que você passou do ponto. – ouvi uma gargalhada atrás de mim e Neném beijou minha cabeça, sentando-se ao lado de Nedda,
que já estava se servindo.

Gemi de raiva, já que eu tinha tanta coisa a ser feita hoje.

– Sabe que tem ensaio da banda hoje, né Flávia? – Neném me lançou um olhar confuso ao ver meu semblante, que não parecia muito o de uma pessoa
disposta a fazer qualquer coisa nas próximas 24 horas.

– Sim (?) – eu disse, alcançando um prato e me servindo com uma quantidade bem significativa de comida.

Neném olhou para mim e olhou para o prato.

– Desde pequena, quando ela fica chateada, afoga as mágoas em um prato de pedreiro. – Betina falou, dando uma risadinha abafada mas logo ficando séria. – O que você tem amiga?

Fiquei em silêncio e pensei se eu permanecia chateada por conta da minha briga com a Paula ou por causa dele. Passei horas em claro na noite passada depois de ter visto que Guilherme visualizou todos meus stories e curtiu uma foto minha de 2015, de uma aula de biologia em que eu segurava um coração. Será que o coração dele também errava as batidas quando olhava no fundo dos meus olhos?

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Passei a manhã toda em função de bloquear meus cartões e pedir novas vias deles. Perdi minha carteira, mas, mais que isso, perdi minha capacidade de raciocínio desde a noite de ontem. Avisei minha secretária Regina e a Joana que hoje não havia a menor possibilidade de comparecer a clínica, e resolvi passar o dia em casa, cuidando dos meus irmãos e de mim.

No espelho do banheiro observei meu próprio reflexo e deixei me perder em meus próprios pensamentos. O quanto me segurei para não voltar a casa em que Flávia estava ontem e agarrá-la ali mesmo, sem pudor, sem pensar. Conhecer um pouco mais dela, mesmo que através de redes sociais, aqueceu meu coração e me fez recordar de sentimentos que estavam guardados há tanto tempo.

Em várias fases da minha vida, questionei a algo Superior, se o amor ainda existia. Eu tinha a sensação de que estar com Rose era como estar no céu e descer ao inferno em um milésimo de segundo. Por ser um médico renomado e ter sido criado em um lar com pais conservadores, cristãos e fazerem parte da alta sociedade do Rio de Janeiro, Rose seria o modelo perfeito de mulher para mim: classe, inteligência e lealdade sempre foram pontos fortes dela. Seus pais, Celina e Armando Costa Grava, foram grandes amigos de meus pais.

Após a morte de Armando, as vidas de Celina, Rose e sua irmã mais nova, Bianca, não foram facilitadas. Tia Celina vêm enfrentando problemas financeiros por não conseguir a herança de seu falecido marido, que é sua por direito. Rose e Bianca são filhas adotivas do casal e descobriram recentemente que Armando teve outro filho fora do casamento, em que elas maldosamente chamam de "filho bastardo" e não há notícias nem por parte delas, nem por parte dos advogados que cuidam do caso, sobre esse filho.

Por conta disso, Rose tem estado com as emoções afloradas nos últimos tempos. Nossa vinda ao Brasil também teve por motivo isto, uma vez que Celina terá que alugar o apartamento em que moram para terem alguma renda. Vendo a situação de minha amada noiva, me coloquei a disposição para oferecer moradia em um dos meus apartamentos no Rio de Janeiro, mas Celina entendeu como uma grande ofensa, me restando oferecer para elas morarem em minha casa, junto aos meus irmãos.

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