Meus olhos permaneciam fixos na planilha sobre a mesa, mas eu realmente não conseguia enxergar nada. Aliás, minha mente não conseguia processar nada. Eu jamais daria meu braço a torcer para qualquer pessoa, exceto Eros, que eu estava esgotada. E antes que me julguem, não era aquele esgotamento típico de quem está passando por uma situação difícil. Eu estava esgotada de tanto tentar esconder o que eu sentia. Queria extravasar, gritar, xingar. Vez ou outra eu me imaginava no topo da montanha mais alta do mundo e gritando. Gritando toda minha raiva, todo meu cansaço.
E o pior de tudo é que não era aquele cansaço do meu corpo, da minha vida.
Era cansaço de ver meu filho sofrendo. Por mais que eu tentasse me convencer de que isso são coisas da vida, propensas a acontecer com qualquer pessoa, eu não conseguia aceitar o fato de ver meu filho tão cheio de vida e energia numa cama de hospital por causa daquela maldita doença.
Quantas vezes esbravejei, ainda que em silêncio, contra o universo, contra Deus?
Sim, eu sei que era um pensamento terrível, mas havia tanta gente podre e imunda que estava fazendo hora extra nessa vida... por que justamente uma criança inocente precisava sofrer tanto?
Inevitavelmente meu pensamento resvalava para aquele ser das trevas com o qual me casei um dia. Por que não ele? Dane-se quem achar que eu desejava o mal para as pessoas. Para ele eu desejava sim, afinal eu nem o considerava gente.
– Não quer ir pra casa? Descansar um pouco?
Eu senti meus músculos relaxarem só de ouvir aquela voz e aquele toque já tao conhecido em meus ombros. Ainda de cabeça baixa, sentada na poltrona da sala do hospital, eu fechei meus olhos com força, tentando inutilmente segurar minhas lágrimas.
– Não, meu amor. Eu tenho que ficar aqui.
– Summy... – Eros falou se sentando ao meu lado e segurando minhas mãos. – Pra quem você está tentando se mostrar? Sou eu aqui... seu marido. Eu te conheço como a palma da minha mão. Você está tentando se fazer de forte mas está destruída. E de verdade, eu te entendo. E ninguém vai te julgar por se afastar por algumas horas para descansar. Eu estarei aqui.
– Mas é meu filho, Eros. Eu tenho que estar aqui.
Falei sem pensar e percebi o tom triste e quase acusador de sua voz.
– Nosso filho, Summy... nosso filho. Não me deixe fora dessa agora.
Ergui imediatamente a cabeça, os olhos marejados quase me impedindo de ver seu rosto.
– Desculpe. É que estou tão...
Não consegui terminar minha frase e muito menos segurar minhas lágrimas. Fui puxada para os seus braços e repousei a cabeça em seu peito.
– Ele não merece isso, Eros. Não merece.
– É claro que não, meu amor, Mas aconteceu e tudo o que podemos fazer agora é dar todo nosso suporte a ele. E você não tem que ficar tentando se manter forte o tempo todo, como eu já disse. Eu sei que em parte, não quer que as pessoas pensem que você é uma mãe relapsa ou sei la o que. Meu amor, o mais importante nisso tudo é Reece, e ele sabe a mãe incrível que ele tem.
Eu chorei ainda mais, me agarrando a ele. Foram tantos meses tranquilos, em que eu vi meu filho quase voltar a vida normal, sem dores, sem precisar vir para o hospital, até que tudo de repente desmoronou novamente.
Ha alguns dias Reece passou a sentir mais dores, o que incapacitava alguns hábitos cotidianos. Eu me desesperei ao ver que ele sequer conseguia destampar uma garrafa de água. E foi então que o levei a uma consulta e veio o diagnóstico. Não bastava o maldito lúpus para atormentar a vida do meu filho. Além do lúpus, ele foi diagnosticado com miosite.
Como não sofrer e chorar sabendo que seu filho tinha mais uma doença, essa última que enfraquecia ainda mais seus músculos? Hoje, estávamos no hospital para que ele recebesse um medicamento na veia, para talvez aliviar as dores causadas pela doença.
– Eu sei, Mas é que às vezes me causa revolta sabe? Um garoto tão cheio de energia... e que já sofreu tanto, emocionalmente falando. Porra... ele merecia ter uma vida linda e tranquila.
– E ele tem, meu amor. Não diria tranquila nesse momento, mas tem uma vida linda. E sabe por que?
Eu ergui a cabeça para encarar aqueles olhos que eu amava,
– Porque ele sabe que ele é amado. Summy... nosso filho é muito maduro para idade dele. Ele entende ainda que parcialmente a doença. Mas principalmente, ele percebe o cuidado que temos com ele. Ele percebe, ele sente nosso carinho e nosso amor. Não se cobre tanto. É difícil, é doloroso? É, mas nós vamos superar. Somos fortes e você sabe disso.
Eu me apertei mais a ele, minha mente absorvendo cada palavra. Eu sou forte, sei que sou. Mas acredito que não exista uma mãe no mundo que não esmoreça diante da doença de um filho. Porem, era pelo meu amor a ele que eu não desistiria. Nunca. Jamais. Embora essa não fosse minha ideia de paraíso... eu sabia que no futuro era lá que estaríamos.
****
Um sorriso despontou em meu rosto quando senti as carícias em meus cabelos. Fazia um dia agradável e aproveitei pra descansar e curtir a família, À beira da piscina, me esquecendo do mundo la fora. Há três semanas eu me sentia um zumbi, ora andando pela casa, ora andando pelos corredores do hospital. Foram dias difíceis, que agora eu fazia questão de esquecer.
A verdade é que o tempo não para, e a vida segue com todos os seus altos e baixos. O importante é não desistir jamais. E eu não desistiria por nada. Não desistira por minha família... e nem por mim.
– Desculpe mamãe.
Abri os olhos e encarei Reece que acariciava meus cabelos
– Desculpar? Por que?
– Por ter te deixado tão triste. Eu tentei ser forte como meu pai, mamãe, mas não consegui. Eu sentia muita dor.
– Oh Reece...
Eu me sentei e puxei meu filho para meu colo, abraçando-o com força
– Não tem do que se desculpar, meu amor.. Você não tem que tentar ser forte.
– Nem você.
Ele respondeu me pegando de surpresa.
– Mas por que está dizendo isso?
– Por que eu sei que sofre e quando te vejo daquele jeito eu fico triste.
– Reece...
Tentei explicar mas ele segurou meu rosto com suas mãos pequenas, mas seu olhar era tão adulto que me desconcertou.
– Mamãe... não é culpa sua... .Não é de ninguém. Os médicos me falaram algumas coisas e... eu sei que vou sentir algumas dores para sempre. É muito ruim, mas eu sei que tudo que você e meu pai estão fazendo é o bastante.
A essa altura minhas lágrimas escorriam abundantemente. Quando foi que meu bebezinho se tornou tão adulto?
– Eu não ligo. Eu sou seu filho. Mamãe eu sou criança mas não sou bobo. Sei que meu pai...o que Warren fez e você aguentou. Eu quero ser forte como você.
– Reece....pare...
Eu falei chorando copiosamente sem conseguir segurar meu choro.
– Eu te amo mamãe. Amo meu pai Eros. E nós vamos vencer. Você ainda vão me ver trazer uma namorada pra casa.
– Oh meu Deus... não!
Eu gritei entre lágrimas de felicidade. Eu já disse e vou repetir quem disse que o paraíso é só dias de glória, felicidade e amor? Paraíso é estar com quem se ama. Paraíso é saber que, apesar de todas os obstáculos, o que prevalece é o amor que nos une... e nos faz crescer, amadurecer. Eu percebi, nesse momento, que não precisava de dias ininterruptos de felicidade. Eu precisava estar acompanhada de pessoas que lutavam pelo mesmo ideal que eu: a felicidade. Seja ela de que forma for. Mas sempre com a consciência de que... nenhum caminho é florido. Resta a nós, desviarmos dos espinhos e construirmos nosso jardim.
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Meu inferno particular - DEGUSTAÇÃO
ChickLitSeis anos de vida conjugal. Seis anos dedicados ao marido Warren Hayden e ao filho Reece. Summer sempre se preocupou em ser a dedicada, amorosa e perfeita esposa e mãe. Seus planos de ingressar em uma faculdade foram adiados uma, duas...três vezes a...