CAPÍTULO I

158 18 13
                                    

Grécia Antiga - Atenas

Ano 450 a.C.


Hera observou o pai gritar com os irmãos mais novos enquanto eles resmungavam de cansaço. Mesmo já tendo vinte e cinco anos, ainda não concordava que os irmãos tinham de fazer tudo aquilo e ela não. Pensou em perguntar à mãe sobre isso, mas sabia qual seria a resposta.

Hera e Anna os observavam sentadas com as mãos sobre o colo, como mandavam os costumes. O cheiro das rosas do pequeno jardim não muito longe de onde estavam flutuava até elas, deixando Hera enjoada com a doçura no ar. Anna sorveu o chá do copo de mármore sem emitir um ruído, enquanto Hera mantinha os olhos fixos no combate entre o pai e os irmãos.

Igor e Matheus lutavam contra o pai há um bom tempo e os dois mal chegaram a desferir um golpe nele. Estavam sem camisa e as serviçais — que hora ou outra passavam por fora da casa para algum serviço — não disfarçavam as cobiças nos olhares. A jovem loba revirou os olhos.

— Mais tarde irei à casa da Sra. Linden, venha comigo? Você nunca me acompanha nas visitas — Anna perguntou encarando Hera por breves segundos antes de voltar a admirar o companheiro e os filhos.

— Não posso, terei aula de desenho mais tarde — Hera respondeu sem desviar os olhos do treino dos irmãos. Sua mãe suspirou depositando o pequeno copo na mesa redonda em frente a elas.

Elas estavam numa espécie de sacada na sala de estar enquanto Jeremy, Matheus e Igor treinavam no gramado em frente a elas.

— Bom, infelizmente você não tem outra opção além de vir comigo. Como não veio nas últimas vezes é essencial que me acompanhe hoje, estão perguntando muito sobre você e não quero que comecem a espalhar mentiras — a Suprema Alfa anunciou arrumando as mechas longas e negras, como os de Hera.

Um vento forte bagunçou seu cabelo perfeitamente penteado, fazendo as pontas voarem em seu rosto. Hera os segurou com uma das mãos à espera de que o vento cessasse. Quando parou, ela os soltou bruscamente. Uma parte ficou presa num coque em cima da cabeça, a outra caía lisa até sua cintura. As mechas voltaram a se bagunçar com o vento e isso quase tirou o restante da pouca paciência que tinha.

— Está bagunçando os cabelos — Anna disse se aproximando para ajeitar os fios revoltados, mas antes que lhe encostasse, Hera a encarou, um rosnado involuntário saindo dos seus lábios. — Não rosne para mim — Anna repreendeu e tentou arrumar.

Ela não sabia porque a mãe insistia naqueles penteados já que os seus cabelos eram extremamente lisos, o esforço não valia a pena.

— Ficar emburrada o dia inteiro não vai mudar as coisas, querida — a Suprema murmurou e Hera se conteve para não brigar com a mãe, já faziam isso com mais frequência do que gostaria, apesar de tentar evitar. — Você é uma loba linda e importante para o nosso povo. Precisa aceitar os seus deveres, assim como eu aceitei.

Importante? Para reprodução?

Hera precisou conter a língua mais uma vez, as discussões com sua mãe eram perdidas e seu pai nunca a ouvia, era como se Hera não existisse para nada além de acompanhar a mãe nas visitas às outras aristocratas e bailes desnecessários.

— Me diga, querida mãe, você é feliz com os seus deveres? — perguntou e Anna franziu o cenho, os olhos azuis límpidos encaram a filha de volta.

— Perfeitamente — a loba disse e Hera sorriu friamente, já esperava por aquela resposta.

— Eu pareço feliz com esses deveres? — Hera voltou a perguntar, mas não esperou uma resposta daquela vez. — Não vou aceitar algo que não me cabe — disse bufando e Anna abriu a boca surpresa.

— Então o que te cabe, Hera? — Anna se ajeitou em sua cadeira e alisou a saia do vestido, ela arrumou o colar de safiras combinando com seu vestido azul claro e esperou a filha responder.

— Com certeza, não uma vida como a sua — murmurou e Hera viu Anna abrir a boca novamente, porém, daquela vez, o rosto da loba tomou uma tonalidade rosada e Hera soube que tinha ofendido a mãe.

— Saia da minha frente antes que eu perca a paciência, Hera. Não vamos discutir isso outra vez — Sua mãe murmurou com a voz controlada, apesar da irritação.

Hera se levantou e caminhou tranquilamente até a entrada da casa. Sua satisfação por sair da presença da mãe deve ter ficado visível, porque ouviu Anna pigarrear antes que passasse pela porta da varanda e soube que a mãe daria a última palavra.

— Uma vida como a minha é o que você vai ter. Esteja pronta para sairmos hoje e não se atrase — decretou.

Hera entrou na mansão apertando os dentes de raiva, a paciência que tinha tentado preservar inexistia.

Foi para o quarto ouvindo o som da sua sandália ecoando no piso de pedra. Eles não eram vampiros, mas a casa parecia pertencer a um, pois era tão escura e silenciosa quanto a casa de um vampiro devia ser.

Hera não se importou com os cantos escuros quando passou por eles, na verdade, se sentiu aliviada por saber que a escuridão deles a ocultava dos criados. Não deu muitos passos até decidir tirar as sandálias de couro, lhe incomodavam ao extremo.

Depois de sentir os pés livres e principalmente, sentir que poderia andar silenciosamente, voltou a caminhar com pressa. Ao chegar à escada usada somente pelos criados, segurou a barra do vestido e pisou duro até o quarto, fechando a porta com um baque. Jogou as sandálias longe e desfez o penteado pomposo, depois rasgou o vestido ainda no corpo de cima a baixo, e o prazer que sentiu o rasgando foi imenso.

Hera respirava com força, o ódio a consumia. Ela odiava a própria vida, odiava o que a mãe a obrigava a fazer, as festas, os jantares que tinha que participar. Odiava a aristocracia, odiava tudo o que estava acontecendo.

Somente com as roupas íntimas, ela se deparou com seu reflexo no grande espelho do quarto. Seu corpo magro e delicado, seus seios pequenos, sua pele branca sem uma mancha ou escoriação sequer. Como se odiava. Seu corpo era a representação de tudo o que sua mãe queria, de tudo o que a sociedade queria, e ela odiava não poder fazer nada para mudar isso, odiava fazer parte daquele mundo.

Hera passou a andar de um lado para o outro, ora massageando a cabeça, ora puxando os cabelos de nervoso. Ela precisava fazer alguma coisa, não suportava mais aquela vida. Não se transformaria numa dama da aristocracia como sua mãe e principalmente, ela não teria um companheiro. Que a deusa lhe matasse antes que tivesse um maldito companheiro.

Ansiosa, se sentou na beirada da cama e se decidiu por fazer alguma coisa, apesar de não saber o quê.

Mas ela pensaria em alguma coisa. Com certeza pensaria.


*********************************************************


CURIOSIDADES:

1. Na Grécia Antiga não existia espelhos, as pessoas usavam uma "chapa" de bronze para ver seus reflexos, ainda assim, não era uma visão nítida como a que temos com o espelho atualmente.

2. A palavra "aristocracia" é de origem grega (aristokrateia) e significa governo dos melhores.

3. Os gregos usavam sandálias de couro, era o calçado principal deles (com base no que estudei e pesquisei).


*********************************************************

E aí? O que acharam deste primeiro capítulo?

Espero que tenham gostado ><

Me perdoem os erros! Até ><

HERA - SPIN OFF DA SÉRIE ONE WOLFOnde histórias criam vida. Descubra agora