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Há algumas horas eu estou sentada no chão da minha sala, meu cinzeiro está amarrotado de cinzas e pontas de cigarros enquanto tento, em vão, pensar em mais algum jogo de palavras para Demons, a composição que comecei na noite do dia em que Billie ...

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Há algumas horas eu estou sentada no chão da minha sala, meu cinzeiro está amarrotado de cinzas e pontas de cigarros enquanto tento, em vão, pensar em mais algum jogo de palavras para Demons, a composição que comecei na noite do dia em que Billie me disse todas aquelas coisas. Aquele foi o único momento em que eu consegui transmitir todas as palavras que tentavam me asfixiar. Desde então, mais nenhuma palavra foi escrita e quase três semanas se passaram.

Eu a via todos os dias, nas longas tardes e noites no estúdio de Finneas. Ela não fala comigo, nem dirigia seu olhar para mim. Hoje foi a primeira vez, em todo esse tempo, que a vi tratar diretamente comigo. E isso tem me dilacerado. Desde que eu deixei aquela casa, eu não consigo pensar em mais nada. Maldita hora aquela em que pensei que pudesse ser uma boa ideia entregá-la meus rascunhos. Não tenho esperanças de que ela vá mesmo trabalhar comigo na canção, o que não me impede de me pôr tão nervosa quanto um adolescente que irá ao seu primeiro baile de primavera.

Eu reviro os olhos com o pensamento, chutando alguns papéis para longe de mim e permitindo que minha nuca descanse sobre o banco do sofá que está às minhas costas. Ao meu redor, há o mais puro caos, algumas garrafas de 600 ml de Budwiser também compunham o espaço mas até mesmo para beber, eu não tinha energia. Encarando o teto, eu me questiono sobre o quão vergonhoso será ir até lá amanhã e ter que lidar com seu desprezo mais uma vez, agora, para piorar, dotado do poder que eu cedi ao deixá-la ter acesso a uma camada da minha mente.

O som das notificações em meu celular me faz despertar e eu reorganizo a postura de meu corpo, buscando o aparelho até meu alcance. Quando meus olhos observam a mensagem saltar na tela, não posso dizer que não me surpreendi. Meu Instagram notificou a chegada de uma mensagem direta, dela.

"Seu rabo deve ter nascido voltado para a lua"

"Eu deveria entender o porquê?"

"É uma infeliz, babaca, mas compõe muito bem"

Ela leu? Ela leu! Eu aperto o celular entre meus dedos e me levanto em um pulo, digitando agilmente minha mensagem: "Eu fico feliz que você tenha lido, acha que pode me ajudar? Estou em pane criativo, eu acho". Não tardou para ela visualizar, mas sua resposta não chegava. Isso me fez questionar se falei algo errado. Talvez o "elogio" tenha sido sua forma de dizer "estou fora". Suspiro. Tudo bem, era de se esperar.

Quando eu já havia desistido de aguardar sua resposta, o celular gritou em minha mão, anunciando uma ligação de vídeo entre a sua conta e a minha. Ainda que desconfiada, eu atendo.

"Ã... oi?"

Minha falta de crença no que estava acontecendo era evidente, meu tom era receoso.

"Porra, estou me sentindo um monitor de detenção, você parece em pânico"

Billie ria, as covas suaves em suas bochechas se tornando evidentes.

"Eu estou", confirmo.

"Por que?" Suas sobrancelhas se agruparam, ela era bem expressiva. "Eu me sinto a Malévola ou merdas do tipo", seus olhos rolavam.

Eu mordo meu lábio, reprimindo um sorriso para não acabar soltando alguma frase que a provocaria. É óbvio que ela notou porque sua boca se abriu em um "o" e ela resmungou algo como "idiota".

"Calma, eu não disse nada..."

"E nem vai!" Ela foi rápida em atropelar uma possível resposta minha. "O que você está fazendo? Quero saber se posso ir até sua casa." 

Você o que? Ao ouvir suas palavras, eu não conseguia enxergar uma luz se ascender em algum lugar na minha mente. Eu a observei minunciosamente pela primeira vez durante a ligação. Seus olhos estavam mais baixos que o normal e o azul de sua íris havia ganhado uma coloração tão acinzentada que eu não saberia dizer se alguma vez eles já foram diferentes. Estavam tão claros que talvez pudesse iluminar a escuridão.

"Você bebeu?", perguntei.

Essa é a segunda vez em que ela revira os olhos, e em menos de dez minutos, "Eu já tenho uma mãe e ela se chama Maggie, não Heather.  Sim, eu bebi, mas não quero ir até sua casa por isso, quero ir porque não consigo tirar sua canção da cabeça"

Eu me pergunto até onde isso pode ser uma boa ideia. Afinal, como vou saber se ela se lembrará disso, amanhã? Começo a dar alguns passos calculados e preguiçosos em direção ao meu quarto, mesmo que não chegasse até lá, eu estaria andando enquanto estávamos ao telefone. É uma mania que eu tenho, não consigo ficar parada.

"Então você leu mesmo?"

"I wanna hide the truth, i wanna shelter you

But with the beast inside, theres nowhere we can hide"

Ela recitou, pausadamente, uma das frases soltas que eu confessei àquela folha. Sem perceber, eu capturei o ar com profundidade e o expeli devagar. "Sim, eu li. E eu quero compor você. Mas eu quero ir agora."

"Quais as chances de você não lembrar disso amanhã e acabar planejando meu homicídio?, fiz uma careta ao questionar.

"Me envie o cacete do seu endereço!" a voz dela soou autoritária e impaciente. 

Essa é uma coisa sobre Billie, ela sabe ser bem impositiva.

Suspiro e digo, por fim: "Tudo bem, enviarei no direct."

"Ótimo, obrigada." disse, e desligou. Nenhuma palavra a mais e nenhuma palavra a menos. Não consigo definir de quantas maneiras ela consegue brincar com a minha paciência. O pior é que se torna insuportavelmente satisfatório.

Depois que a ligação se encerrou, eu encaminhei meu endereço em nossa conversa no Instagram, como disse que faria. Ela visualizou mas não respondeu, de novo, e eu supus que estivesse se deslocando até aqui. Deixei o aparelho no estofado e corri até meu quarto para vestir uma bermuda de moletom larga e uma velha camisa dos Beatles com uma estampa de Yellow Submarine. Não poderia atendê-la usando apenas uma cueca boxer.

Jane's Midnight GardenOnde histórias criam vida. Descubra agora