Cozinha e lembranças

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Quando cheguei em casa, primeiramente pensei que não havia ninguém. Foi quando subi ao meu quarto que ouvi as vozes alteradas vindas do quarto ao lado.

- O que houve, então? Vai dizer que é coincidência! - Não pude deixar de ouvir. Eles visivelmente achavam que eu não havia chegado.

- Não estou afirmando isso, Miguel. Pode ter sido só um engano. - A voz sempre calma de Vicky estava anormalmente alta.

- Engano! - Miguel bufou.

- Sim, engano. Ou uma coincidência, quem sabe?

- Coincidência esdrúxula, essa. - Miguel quase gritou exasperado. Eu me virei e entrei no meu quarto a fim de não escutar mais nada, mas ainda pude ouvir Vicky emburrada dizendo "Não fale assim comigo" e uma desculpa mal humorada de Miguel. Qualquer que fosse o motivo da discussão estava deixando os dois bem alterados. Tomei um banho e em seguida me sentei na escrivaninha a fim de estudar. Não cheguei nem na primeira página de exercícios quando a campainha de casa soou. Olhei pela janela do meu quarto, era o carteiro. Suspirei impaciente. Talvez se eu não fosse atender ele desistisse e colocasse a correspondência por debaixo da porta. Ou na caixa de correio, como os carteiros em geral costumam fazer. Depois de a campainha soar mais três vezes, venci a preguiça e desci.

- Correspondência aos Agostini. Victória Vieira Agostini e Miguel Vieira Agostini. - Ele me entregou a prancheta que estava em sua mão e eu a assinei. Em seguida me entregou o grande envelope creme.

- Obrigada. - Fechei a porta. Olhei o destinatário da carta, os nomes de Victória e Miguel estavam impressos em letras pretas. Subi ao quarto dos dois e bati a porta.

- Entra.

- Para vocês - entreguei a eles a carta. Miguel olhou o remetente e jogou para Vicky que fez o mesmo e jogou o envelope na cama sem abrir.

- Obrigada, Liza.

- Sem problemas. Está melhor, Vicky?

- Hãn? - Ela pareceu um segundo confusa, mas sorriu em seguida. - Ah, sim. Estou melhor. Tomei um comprimido.

- Que bom. Anotei as tarefas para você, depois lhe passo.

- Obrigada, Liza. - Estranhei a formalidade, mesmo assim dei de ombros. Descemos a sala para almoçar. Retirei o almoço do dia anterior da geladeira e esquentei no microondas.

- Parece que você sabe manusear o microondas melhor do que o fogão - comentou Vicky a despreocupação voltando a sua voz.

- Realmente, mas estou tentando melhorar. Ontem ajudei a Alessandra a fazer o almoço.

- Muito bom. - Miguel aprovou.

- Na verdade cortei três batatas e mutilei uma cenoura. Está valendo, não é mesmo?

Eles riram.

- Com certeza. - Miguel afirmou. Tentei me desculpar.

- Cortar legumes é uma arte complexa.

- Sei. - Vicky falou. Ela provavelmente não pensava a mesma coisa. Também, ela tinha um chefe de cozinha como irmão, não precisava se preocupar.

- Se quiser eu lhe ensino. - Miguel falou.

- O quê, a cortar legumes? - indaguei confusa. Tudo bem, eu cortava legumes de modo deplorável, mas não tão ruim a ponto de precisar de aulas.

- Não. - Ele revirou os olhos levemente - Á cozinhar.

- Ah... - Fingi pensar enquanto engolia o peixe. - Qual será a taxa da aula?

O irmão de minha irmãOnde histórias criam vida. Descubra agora