A espera

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Eu não sabia como me sentia aquele respeito. Alessandra sempre me pareceu tão forte e inabalável. Quase inumana. Mas agora eu a flagrara, chorando baixinho, escondida. Tinha uma vaga impressão de qual seria o motivo, mas mesmo assim não pude deixar de sentir um pouco de culpa. Eu não era uma boa filha e não fazia nada para mudar isso. Era fria em sua presença, a tratava como uma simples estranha, e se não fosse pelo meu sobrenome ninguém diria que éramos mãe e filha. Só que, apesar da culpa, eu não sabia como mudar aquilo e nem se teria forças o suficiente para fazê-lo. A situação de indiferença entre mim e a Alessandra durava mais de 2 anos, e eu tinha que admitir que apesar do tratamento com tanta frieza ser agradável no começo, acabou se tornando imensamente torturante, tanto para mim, quanto para ela. De fato, eu não estava melhorando em nada a situação.

Com meus pensamentos, acabei não lendo nada e dormindo sobre os livros. Acordei ao que me pareceu ser segundos depois, tendo como trilha sonora o despertador. Levantei sonolenta e me olhei no espelho. Minha aparência não estava nada boa, eu fazia A Noiva Zumbi parecer uma deusa da beleza. O meu cabelo castanho-claro ondulado estava para cima, quase que literalmente. Minha pele estava pálida e tinham olheiras arroxeadas em torno de meus olhos. Fechei os olhos e contei até cinco, para não arrancar fios de meu próprio cabelo.

Fui ao banheiro, tomei um banho rápido, vesti o uniforme do colégio e desci para tomar café. Meu pai e a Alessandra já estavam lá, sentados em seus habituais lugares.

- Bom dia. - eu disse.

Eles responderam. Sentei-me a mesa colocando um pouco de suco de acerola no copo.

- Eles vão chegar hoje. À noite. - disse meu pai. Ele tinha que lembrar aquilo logo agora? Logo de manhã? Não respondi por que sabia que se o fizesse diria algo não muito agradável. Eles se levantaram.

- Até mais tarde - disse meu pai dando um beijo no topo de minha cabeça.

- Tchau, pai. Tchau... Alessandra. - eu disse meio relutante. Ela murmurou um tchau e se foi.

A casa ficou novamente vazia. Era assim maior parte da semana: eu ia para escola de manhã, meus pais iam trabalhar e só voltavam no início da noite. Minha rotina era minimamente planejada, do segundo em que acordava até o último bocejo de sono do dia. Na alimentação eu procurava sempre me manter equilibrada, mas era praticamente impossível. Eu não tinha um horário certo para comer, muito menos um cardápio certo. Eu viva comendo besteiras no horário do almoço, pelo simples fato de não ter ninguém em casa além de mim. E eu, claro, sempre fui um desastre na cozinha. Só sabia fazer gelatina e macarrão instantâneo e como não podia viver disso apelava para os enlatados e congelados. O que não era tão ruim ao pensar bem, a lasanha congelada era uma delícia. Lembro de que uma vez meus pais contrataram uma cozinheira, mas a coisa não dera certo: ela insistia em cozinhar cantando junto a um rádio rouco e velho que tinha. E eu continuei minha vida de comidas nada saudáveis como ela sempre fora.

Terminei meu café e fui direto para a porta. O dia estava bonito, claro. O céu azul. Montei em minha bicicleta, com a mochila nas costas. Passei por todas aquelas casas de jardins bem aparados e cuidados. Minha rotina diária. Ás vezes eu me cansava daquela previsibilidade, mas tinha me acostumado.

Parei em frente à casa do Rafa (que era uma casa ao lado da minha), como sempre, onde seguíamos até a escola.

- Oi.

- Oi. - respondi - Trouxe seu livro.

- Que bom. - ele respondeu. Percebi que ele ainda não estava acordado, pois não me dera um completo sermão pela demora e não me bombardeara com perguntas sobre o estado de seu precioso livro. Quando chegamos à escola, subimos ao segundo andar onde ele virou para a esquerda e eu para o lado oposto.

O dia estava passando e minha naturalidade também, dando lugar a desanimação. Por mais incrível que pudesse parecer, eu aguentei as aulas de cálculo e física sem reclamar uma vez. Fiz minhas anotações obedientemente. Acho que estava querendo prolongar o tempo antes de chegar em casa e esperar até a hora em que eles chegariam. Deixei minha cabeça vagar durante a aula de História até chegar à conclusão de que seria mais fácil parar de pensar. De fato, estava certa. Fui acordada com a voz alterada do professor Adilson que pelo tom percebi estar fazendo uma pergunta. O que não adiantava nada, já que eu não tinha ouvido a pergunta propriamente dita.

- Desculpe professor. Pode repetir a pergunta? - Acho que ele não podia. No segundo seguinte me peguei divagando enquanto ele falava o quanto era importante prestar atenção nas aulas e tudo mais. Mais tedioso impossível.

Esperar estava se tornando uma tarefa torturante. No meio tempo em que esquentava a lasanha no micro-ondas e lavava os pratos tentei imaginar como eles seriam e como eu me posicionaria diante deles. Hostilmente? Ou com cordial hospitalidade?

Liguei o som e aumentei o máximo. Talvez a altura ofuscasse meus pensamentos. Comi o almoço cantando junto com a música, consciente da total falta de ritmo. O telefone tocou e fui atendê-lo esquecendo-me do som berrando em meus ouvidos. A voz era conhecida e estava igualmente alta.

- Dá para baixar esse som? Está difícil ouvir meus próprios pensamentos!

Eu berrei de volta: - Vai procurar algo útil para fazer, Rafael. - Desliguei o telefone, irritada, mas acabei desligando o som. Irritar Rafael era uma coisa, enfurecer toda a vizinhança certinha era outra. Fui fazer as atividades escolares o que acabou cumprindo o papel de me distrair. Sem nenhuma pausa fui resolvendo os exercícios de matemática, até ouvir alguém no andar de baixo. Fiquei agitada imaginando se seriam eles.

Era a Alessandra. Vinha sozinha, então supus que tinha vindo em seu próprio carro e meu pai tinha ido busca-los.

- Oi - disse.

- Oi - Ela respondeu. Não comentou o fato de ter chegado cedo. Eu também não perguntei. Subi para o meu quarto a fim de tomar um banho. Relaxei deixando a água quente cair. Fui rápida ao me vestir, estava ficando cada vez mais ansiosa. Desci para sala e encontrei a Alessandra sentada assistindo televisão, aparentemente já tomada banho. Sentei no sofá ao lado oposto ao dela. As minhas mãos inquietas no colo. Ficamos caladas fingindo estar absortas em um comercial de creme dental. Cinco minutos depois eu ouço a fechadura ranger, a porta abriu.

O irmão de minha irmãOnde histórias criam vida. Descubra agora