Eu tive um sonho

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Enfim chegara o fim de semana. Como da última vez eu acordei e não encontrei nem Miguel, nem Victória por perto. Meu pai estava lendo o jornal com suas roupas de caminhada.

- Pai, eu estou começando a desconfiar que você só veste a roupa de caminhar e fica sentado nesse sofá lendo jornal. - comentei com meu pai enquanto sentava a mesa para comer algo.

- Pelo menos eu visto a roupa, e você que nem ao menos isso faz? - Ele provocou e riu depois.

- Muito engraçado, senhor Rodrigues. - Retruquei bebendo meu habitual suco de acerola. Suco que eu não sabia de onde vinha. Na verdade, apenas eu bebia suco de acerola naquela casa. Meu pai dizia ter alergia (o que eu questionava), Alessandra eu acreditava não gostar. Mas por menos consumido que fosse eu sempre encontrava suco de acerola na geladeira. Ignorava a pessoa que o fazia. Achava que era meu pai, embora soubesse que herdara dele a falta de habilidades de culinária.

Certo, aqueles pensamentos eram completamente sem nexo. As divagações inúteis se deviam ao fato de eu querer evitar certos pensamentos. O fato de que do dia anterior me vieram à cabeça lembranças que eu reprimi durante dois anos e que não haveria aulas de culinária para evitar esses pensamentos. Não queria pensar em nenhum dos dois. Acabei concluindo mais tarde que ficar sozinha era uma péssima opção se eu queria evitar ficar ouvindo minha cabeça neurótica. Liguei para o Rafa.

- Fala. - Ele atendeu no segundo toque.

- Sou eu.

- Oi Liza.

- Oi Rafa, vem aqui em casa.

- Fazer?

- Tocar a campainha. Estou com vontade de ouvir a campainha tocar. - falei sarcasticamente.

- Sério. - insistiu.

- Venha aqui, estou sozinha e abandonada. - Exagerei no drama. Pude até o ver revirando os olhos do outro lado da linha.

- Espera. - Desligou e minutos depois a campainha de casa tocou. Fui atender.

- Ligaram pedindo auxílio solidão.

- É aqui mesmo. - Ri. Era disso que eu precisava. Meu pai saiu da sala quando anunciei que faria pipoca. "Se a casa pegar fogo me avise", disse ele. Passamos a tarde assistindo Vida Secreta, e nenhum pensamento indesejável me veio à mente.


****

Era a terceira vez na noite que eu voltava a dormir. Isso porque era a terceira vez na noite que eu acordava. Eu tinha consciência de que era um apenas um sonho, um daqueles que de tão absurdo e irreal só poderia ser sonho e nada mais. Ainda assim, era assustador. Não poderia dizer que era um pesadelo, não se encaixava bem. Era assustador apenas por ser irreal e, para falar a verdade, a parte mais assustadora vinha quanto eu acordava e percebia que estava sonhando. No sonho eu era a Alessandra. Ou melhor, era eu em minha consciência, mas ainda assim era a Alessandra. Feito um ator num personagem de filme. Estava no meio de uma sala branca, as paredes brancas, a luz tão branca que ofuscava, com três rostos em volta de mim. A própria Alessandra que ainda era ela mesma (o sonho era confuso), meu pai e outra pessoa que eu não identificava. Quando conseguia identificar o rosto da pessoa, a cena mudava. Estava agora em uma sala escura. Eu tentava me mover, mexer os braços mover as pernas, mas não conseguia. Estava sentada. Continuava sendo a Alessandra. Os mesmos rostos em volta de mim, com o último que eu não identificava. O estranho era que os três, embora nada dissessem, sabiam que eu era a Eliza. Como se apenas eu soubesse ou sentisse que era a Alessandra. Então, novamente eu despertava para o rosto e o reconhecia, a cena mudava e o rosto era esquecido. Agora eu era a Eliza, não havia três, mas sim uma pessoa comigo. Não prestei atenção no lugar, se era um jardim, uma casa, não sabia. Estava ocupada me aquecendo ao lado da pessoa que estava sentada ao meu lado. A pessoa olhava para mim e seu rosto estava embaçado. Ainda assim não pude deixar de sentir a sensação agradável tendo aquela pessoa ao meu lado, como se não importasse quem ela aparentava ser, ela era ela e eu sabia disso. A pessoa olhava para mim seu rosto se tornava nítido, então eu acordava.

O irmão de minha irmãOnde histórias criam vida. Descubra agora