Capítulo 29

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Shinen/Youko/ Yuki

A voz que ouço sempre, não interessa o momento da Roda, quem vai estar do outro lado para me receber, para sorrir para mim, entregar aquele minuto de aconchego, ou me abandonar a histeria da vida vai ser sempre daquelas que me conceberam. Quantas vezes não ouvi essa frase: "Que lindo! Meu bebê, meu amado!", e geralmente essa pessoa me olhava nos olhos e eu ainda tinha uma recordação do que me levou aquele específico momento do meu nascimento.

O que eu não sabia, o que poucas pessoas sabem é que pequenos seres ainda possuem memórias recentes de suas outras vidas, pelo menos por alguns meses, as vezes até pelos primeiros anos de sua existência. Eu nunca pude saber até cair finalmente na Roda da Vida, até saber o que é estar vivo mesmo antes de me conceber como ser vivo nesse universo.

Olha esse sorriso lindo que me recebeu! Uma das minhas primeiras mães falou.

E eu tive várias, lembro de poucas...No momento acho que não deveria estar lembrando de nenhuma, porém algumas ainda são bem específicas e são imagens cravadas na minha mente que se reverberaram por muitas vidas, mesmo aquelas que foram apagadas pelo ciclo do espírito.

O sorriso de uma mãe feliz em ver seu primeiro filho, a primeira cria de uma raposa que sofreu tantos abusos, mas que mesmo assim está feliz com seu bebê. Ela não sabe ainda o que a espera pela frente, no decorrer da caminhada pelo Makai, pela guerra que se é manter viva sem ter muitos poderes, sem ser reconhecida como nada além de um ser que pode ser vendido bem caro para os traficantes de escravos sexuais.

Raposas que não são como as primordiais, que não tem mais do que uma cauda e não serão reconhecidas por qualquer coisa na cadeia alimentar daquele mundo.

Mas ela é feliz assim mesmo, ela alimenta sua cria com todo o amor do mundo, mas infelizmente em pouco tempo seu filhote não vai viver mais, ele não sobreviverá ao choque de não ter uma parte de sua essência para existir em coalisão nesse novo universo. E assim eu me perco, morro nos braços daquela jovem mãe que nunca vai esquecer de como foi ter um amor só seu, sem pedido de trocas, mas que como todo o amor, tem um fim trágico.

E outros olhos me recebem, dessa vez mais velhos, menos amigáveis, querendo que não tivesse acontecido a sua existência, porque era mais uma entre muitas que deveria sustentar, alimentar e dividir o pouco que tinha. Mas talvez o sorriso dele pudesse mudar tudo, a voz de seu bebê fosse algo diferente dos outros...bem ela tentou. Fez o possível para dividir o pouco que tinha com mais aquele, para que seus outros irmãos não passassem fome, para que a luta por sobrevivência não atingisse seus pequenos mundos.

Ela foi uma boa mãe, uma que o fez querer proteger, uma que em algum momento se vendeu para poder manter todos os filhos juntos. E eu fui apenas mais uma raposa no harém daquele que me comprou depois de matá-la, de separar meus irmãos. Nesse momento tudo que lembrava era que queria ter o poder que as raposas prateadas tinham. O poder que era tão falado pelos arredores do Makai, o poder para aqueles kitsunes sagrados que possuíam mais de uma cauda e nunca jamais seriam transformados em escravos por ninguém.

E tudo que seu caminho escreveu foram aprendizados de luta e morte. Foram bons aprendizados, me fizeram entender que o pedaço que faltava dentro de mim poderia ser substituído por muita raiva e vingança, porque era assim que se trabalhava a existência naquele Inferno.

O tempo era algo muito estranho na sua concepção...ainda é até hoje...o tempo que me fez ver mais uma vez outros olhos, outra face feminina, outro choro que ecoava nos meus ouvidos fracos e quase surdos ao nascer. A minha própria voz.

Reencarnações parte 2- Uma vida dois amoresOnde histórias criam vida. Descubra agora