3. Kuroo

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Deslizo o dedo indicador contornando as imagens do livro aberto na mesa enquanto apoio a cabeça com a outra mão.
Aula de História da Química é com certeza a mais problemática das aulas, amo a matéria mas sempre fico entediado após cinco minutos de aula. O professor sempre usa o método da sala de aula invertida, então fazemos exercícios consultando o livro com a matéria da aula seguinte, mas mesmo assim temos de ouvir o professor falar com aquela voz entediante a aula toda sobre um assunto que eu não tenho dificuldade.
Não percebo quando meus olhos se perdem da aula e pousam na janela ao meu lado, mas percebo quando avisto um garoto deitado no gramado. Sorrio ao perceber a tranquilidade com que ele dorme, provavelmente teve um tempo livre após uma aula agitada, uma prova ou só um dia cheio mesmo.
Reparo no livro ao seu lado, poderia ter certeza se chegasse mais perto, mas desconfio ser Verity, da Collen Hoover. Tenho vontade de ir até ele e perguntar se ele acredita mais no manuscrito ou na carta, mas ele não iria entender se não tivesse terminado o livro.
Sinto vontade de ir até ele e perguntar sobre os livros que gosta, elogiar sua calça ou perguntar sobre o curso que faz, mas eu nem mesmo conseguiria decifrar quem ele é daqui de cima.

— Façam os exercícios da página 56. — O professor solicita e volto a prestar a devida atenção à aula.

Respondo as perguntas com facilidade e acompanho a correção oral do professor antes de acabar a aula.
Me levanto para guardar meu material afim de descer para o intervalo, mas me demoro ao reparar que o garoto ainda dorme no gramado. Eu tive duas aulas de Historia da Química, isso totalizam duas horas inteiras, uma pessoa não deveria ter um intervalo de tanto tempo.

Desço as escadas com essa preocupação, e caminho um pouco mais rápido quando percebo que é o loiro da caneta. Não é como se ele fosse fugir, mas sinto uma necessidade de chegar até ele mais rápido, acorda-lo e conhecer um pouco sobre quem é.

Me abaixo ao seu lado e toco seu ombro. Imediatamente me arrependo, pois o mais baixo acorda assustado e se senta enquanto se afasta um pouco.

— Calma. — Tento tranquilizar. — Meu nome é
Kuroo, eu tive duas aulas naquela sala. — Aponto para a janela do quinto andar. — E vi você dormindo aqui. Não há nada de errado em dormir no gramado, mas fazem duas horas.

— Duas horas? — O loiro parece decepcionado consigo, sinto vontade de abraça-lo. Ele pega o celular. — Que droga, perdi minhas duas aulas de hoje. — Abraça os próprios joelhos.

— Essas coisas acontecem, relaxa. — Digo me sentando em frente a ele. — Passando por uma semana difícil? — Pergunto porque realmente
quero saber.

Ele assente, e entendo a sua resposta, ele não quer falar sobre isso.

— Obrigado pelo chocolate mais cedo. — O outro agradece sem me encarar.

— Desculpa não ter te entregado pessoalmente, eu não fazia ideia de que nos veríamos novamente até perceber que o garoto
dormindo tranquilamente que observei na aula era você. — Explico.

— Foi importante, eu nunca recebi um bilhete em post-it. — Ele diz ainda com o olhar perdido.

Sinto o peso daquela confissão. Um bilhete em post-it pode não parecer um grande gesto, mas na maioria das vezes ele demonstra cuidado. Uma pessoa que se preocupa em te deixar um recado, mas não o faz por mensagem, mesmo que tenha seu número, valoriza o momento exato em que você vai ver o post-it, que vai receber o recado, ou que simplesmente vai sorrir com o elogio ou agrado.
De repente eu sinto vontade de lhe enviar post-its todos os dias, dar a devida atenção que nunca lhe foi ofertada.

— Eu não quero te decepcionar, mas não era a minha caneta da sorte. — Ele ri, eu sorrio. — Não tenho canetas da sorte, simplesmente tenho canetas.

— Então agora você tem uma caneta da sorte. —  Digo.

Nossos olhares se encontram por um tempo, e ele desvia o dele. Lamento em silêncio, ficaria o dia todo olhando para seus olhos, é como se eu pudesse me perder, ou me encontrar, na imensidão que ele esconde.
Chega uma notificação no meu celular e desvio os olhos, é minha mãe avisando que deixou almoço pronto. Percebo a hora.

— Eu não quero me intrometer, mas você tem aula a tarde? — Pergunto.

— Não, hoje não. Eu tinha três aulas hoje, uma foi cancelada e as outras passei dormindo nessa grama. — Ele pausa por um instante para conferir o celular. — Meu ônibus só passa aqui meio dia e meia. — Lamenta mais para si.

— Eu espero com você. — Digo levantando e estendendo a mão para o outro. Reparo os olhares quando caminhamos lado a lado pelo campus, eu não me importo, mas não sei se poderia dizer o mesmo do loiro. — E então, Verity?

O mais baixo demora alguns instantes para perceber do que se trata a pergunta, mas assim que entende ele parece ser tomado por uma alegria, como se esse fosse seu assunto favorito.

— É um dos meus livros favoritos, estou relendo. — Ele diz, sinto a animação tomar conta de mim também. — Já leu?

— Terminei semana passada, mas ainda não consegui digerir esse final. — Digo. — Manuscrito ou carta? — Pergunto.

— Carta. — Ele responde como se já tivesse ensaiado a resposta desde que lhe perguntei sobre o livro. — Seria um plot twist incrível, demorei um mês pra conseguir ler qualquer outro livro.

Chegamos ao ponto de ônibus após alguns minutos de conversa, e agora falamos sobre carreira. Seria um assunto chato em qualquer outra circunstância, é o que mais se fala na faculdade, mas não é chato com ele. Parece que o estou distraindo dos seus próprios pensamentos, o que parece bom no momento.

— E então, o capitão do Nekoma não tem treino hoje? — Ele me pergunta casualmente.

— Você me conhece? — Pergunto surpreso.

— Todo mundo te conhece, você é popular. Quando te emprestei a caneta ou quando você me acordou, eu desconfiava, mas depois que disse seu nome e reparei os olhares quando você andava pela faculdade, tive certeza.

— E o que achou de mim? — Pergunto.

Talvez eu não me importe com a resposta, eu nunca precisei pedir uma avaliação, a maioria das pessoas só diz o quanto sou simpático e bonito, mas com ele é diferente. Quero saber da sua primeira impressão ao me ver, e em como essa visão mudou quando teve certeza de quem eu era, ou se a visão simplesmente não mudou.

— Gostei do seu jeito de ser. — Diz simples. — E de como você exala conforto.

Não sei reagir à sua resposta, nunca recebi um elogio diferente dos outros, sua fala me surpreendeu um pouco. Nem mesmo sei
direito o que significa exalar conforto, com certeza perguntarei ao Akaashi ou ao Tsukishima mais tarde.
Ele percebe a minha falta de reação, e explica melhor.

— Eu não gosto de conversar com pessoas populares, geralmente estão preocupados em ter a postura correta, estar sendo observado do melhor ângulo ou passar uma boa impressão. — Completa. — Mas você é bem diferente, não se importou de estar sentado em um gramado comigo, andar pelo campus ou até mesmo de estar em um ponto de ônibus. — Da de ombros como se tivesse dito algo simples.

— Nunca me disseram isso. — Comento.

— As pessoas geralmente gostam da popularidade.

Tenho vontade de passar a tarde inteira com ele e descobrir tudo sobre o que gosta, o que tem o deixado tão exausto ou como ele age quando não está na faculdade. Sinto a necessidade de saber seu nome, de onde vem, sua idade ou seu ciclo de amigos. Mas nenhuma dessas perguntas podem sequer serem feitas, pois seu ônibus chega e nos despedimos brevemente antes dele entrar no veículo e eu começar a andar até minha casa.

Post-it - kurokenOnde histórias criam vida. Descubra agora