5 - Olho por olho

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    1011 palavras.

   —Não tenho certeza se isso vai ser uma boa ideia... A senhora Mendoza precisa descansar. – Uma enfermeira de olhar taciturno encara Mari, com uma certa desconfiança.

   —Olha, é realmente muito importante... Não estaria pedindo se não fosse. – Liz implorou, enquanto segurava Hugo pelo pulso.

   Ele ainda continuava inquieto, arranhando o próprio braço, ou guinchando como um animal ferido. No entanto, depois de desmaiar dentro do próprio quarto e acordar consideravelmente desnorteado, passou a se comportar um pouco melhor. O que, para Liz e Mari, era um alívio.

   —Tudo bem. – A enfermeira finalmente concordou. – Vou dar à vocês apenas alguns minutos. Ela anda meio... agitada, desde ontem.

   —Obrigada mesmo! – Mari suspirou, aliviada.

   A casa de repouso onde Mirella se encontrava era um prédio modesto, localizado próximo ao Hospital, para maior comodidade dos internos. Senhores em idade avançada conversavam entre si, sobre o tempo, façanhas passadas e méritos que acumularam durante a juventude. As paredes eram baixas, o telhado íngreme e o pátio limpo, apinhado de funcionários ou visitantes, que por alí caminham. Mari se mantinha atenta, olhando para todos os lados, na esperança de encontrar algum tipo de anomalia qualquer. Por mínima que ela fosse...

   —Acha que ela ainda se lembra de alguma coisa? – Ela sussurra para Liz.

   —O diário era dela, então acho que sim.

   —Você também está sentindo isso? – Mari aponta para o alto, onde nuvens densas começavam a se aglutinar. – Parece que estamos sendo observados.

   Liz concordou, com cautela.

   —A tempestade está vindo... – Hugo sussurra, se agarrando aos braços das garotas.

   —Ela está nessa sala. – A gentil enfermeira corta, apontando para um dos alojamentos. – Talvez ela não responda suas perguntas, está medicada... E lembrem-se, apenas alguns minutos!

   Ao expressar suas condições, a mulher desapareceu, deixando três adolescentes e uma porta aberta para trás. Os quais se apressam para entrar pois, em algum lugar nas profundezas da terra, uma ampulheta etérea contava os segundos até o início do desastre.

   —Quem está aí? – A voz arranhada da senhora Mendoza chegou aos ouvidos de Mari, carregada de lentidão e desprezo. – Já disse que não quero ver ninguém!

   —Somos nós, senhora... – Mari se adianta, se colocando entre a velha e seus amigos.

   —Quem são vocês? – A anciã rosna. Vestida em seu sobretudo de crochê vermelho desbotado e um pijama de bolinhas. Estava mais rabugenta do que o normal, tentando arrancar um catéter preso ao pescoço, por onde recebia o soro intravenoso. – Não conheço vocês! O que querem?

   —Saber sobre isso... – Mari lhe atira o diário, roubado durante a incursão ao casarão no alto da colina. 

   Mirella se assustou quando o caderno se abriu, bem no meio, onde um enorme olho fora desenhado em carvão.

  —Isso é meu! – Grita. – Você roubou... Não tinha o direito... É meu...

   —Nós encontramos o túnel. – Liz interrompe, antes que a velha pudesse reclamar mais.

   Mirella era puro assombro.

   —A tempestade está vindo... – Diz, no exato momento em que Hugo começou a se contorcer.

   O silêncio pesado tomou conta do ar. Deixando a atmosfera densa e sombria...

   —Vou contar a vocês sobre o olho... – Mirella se levanta, estranhamente bem disposta. – Mas não quero saber de perguntas. Vocês não tem muito tempo...

   Ela fecha a porta e convida suas visitas a se sentar.

   "Pois bem, existe um mal morando embaixo da cidade, dentro das rochas, no cerne da terra. Um mal mais antigo que o homem, mais antigo que o sol, tão velho quanto as primeiras estrelas. Ele se alimenta da desconfiança, da inveja, da discórdia e do sofrimento alheio. É um deus profano, mesquinho e antigo, que tudo quer para si...

   Sítaro é o seu nome...

   Há cinquenta anos atrás, quando os túneis de escoamento ainda funcionavam, eu e mais dois amigos encontramos esse deus... Não acreditamos nas coisas que vimos e decidimos ignorar toda aquela loucura.

   Até a tempestade vir...

   Ela vem a cada duas décadas, quando Sítaro sai do seu esconderijo para andar entre os homens. Não se pode para-la, apenas sobreviver a ela. O contato que eu e meus amigos fizemos nos deu a visão dele, parte dos poderes que ele tem, de invadir mentes e ludibriar as pessoas.

   Pagamos o preço por isso também..."

   —O que isso tudo significa? – Mari interrompe, sem conseguir mais ouvir aquela história.

   —Que vocês são os próximos guardiões da cidade. – Mendoza concluiu, calmamente. – Vocês conseguem ver o que ele vê, sentir o que ele sente... Porque olharam dentro do seu olho.

   Silêncio, tal hipótese era estapafúrdia demais...

   —Escutem crianças, – Mendoza continuou. – vocês não pediram esse fardo, mas ele é responsabilidade dos três agora... Tudo o que precisam saber está no meu diário... Se não fizerem nada, Sítaro ganha e todo mundo morre!

   —Mas como se luta com um deus? – Liz dispara, em pânico.

   —Existe um feitiço... Um selo Maia muito antigo... Vocês devem traça-lo no porto, perto do mar. Isso vai segurar Sítaro por mais vinte anos, antes da próxima tempestade.

   Raios e trovões estouram no firmamento, prenunciando um provável ciclone. A cada minuto que se passava, mais a tensão parecia aumentar.

   —ELE ESTÁ VINDO! – Hugo grita.

   —Agora! – Mirella aponta para uma das páginas no seu diário. – Vocês precisam ir agora!

   Os três zarpam para fora do quarto, ganhando as ruelas pacatas, em direção ao litoral. A bicicleta de Mari vem na frente, cortando passagem pelo vento forte e pedestres desesperados, buscando por um abrigo seguro. Em alto mar, nuvens esverdeadas se levantam pelo firmamento, carregadas com fúria e estranheza.

   A cabeça dos três amigos zunia num ritmo vertiginoso e difícil de acompanhar.

   —Não vai dar tempo... – Liz grita.

   —Vai dar sim! – Mari assegura, mais determinada do que nunca.

   E então, no alto dos céus, onde as nuvens ascendem, o inimigo surge, soberano, imenso o bastante para cobrir o sol. Aquele era Sítaro, fora da terra e pronto para semear desgraça. Sua íris impetuosa mirou seus oponentes, disposta a engoli-los assim que tivesse a oportunidade. As luzes alienígenas ganham o firmamento, a realidade cede diante dos augúrios. No casarão da colina, o telefone vermelho começa a tocar.

   Façam suas apostas!

   Que a batalha final comece...

O Olho De Sítaro - (Conto) Onde histórias criam vida. Descubra agora