Vinte e quatro

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Maraísa

- Murilo, diga a hora do óbito por favor. Eu não aguento mais dizer isso por hoje - Murmuro completamente chateada

Hoje parecia que tudo estava dando errado. Perdi três pacientes em menos de 24 horas. Uma mãe, e dois bebês. Eu sei que faz parte de minha profissão perder pacientes, que nem sempre conseguimos salvá-los, mas é difícil ter que lidar com a perca de uma vida que estava em suas mãos.

Murilo tenta conversar comigo, mas eu peço que me deixe sozinha, eu preciso de espaço. Caminho pelos corredores brancos do hospital, e vou até a sala de descanso. Me sento no sofá, e descanso a cabeça no encosto. Meus olhos se abrem quando uma certa loira entra pela porta, eu tento não demonstrar chateação e lhe sorrio pedindo para que se sente, e assim ela faz.

- Estava te procurando - Diz Marília deixando um beijo em minha bochecha - Preciso te contar uma coisa

- Pode dizer - Massageio minha têmpora

Marília parece tensa. Conheço bem a minha loira, ela sempre brinca com os dedos quando fica nervosa.

- Em Boston fiz algumas amizades. Bom, eu me senti bem sabe? Saímos, bebemos, dançamos e rimos. Entre elas conheci Luiza, uma cirurgiã, nós conversamos muito, e a gente tem trocado algumas mensagens. Nada além disso, Máh

Eu escuto atentamente cada palavra dita por minha namorada. Tento processar tudo aquilo.

- Mas nós. Luiza e eu, flertamos algumas vezes. Nunca passou disso, flertes, porque eu tenho você

- Porque você tem a mim - Solto uma risada irônica - Porra. Meredith, como você se sentiria se soubesse que eu ando por aí flertando com "amigas"?

- Eu não entendi essa "aspas" que você abriu no amigas, mas vou tentar ignorar. Porque somos realmente só amigas, eu jamais trairia você - Sua voz sobe o tom

Revirar os olhos se torna inevitável. Porra, eu amo essa mulher. Passei dias preocupada com ela, e ela estava por aí se divertindo, flertando e aproveitando os momentos livres ao lado de sua nova "amiga". O problema não está nela ter saído para dançar, ou beber. E sim pelo fato dela achar a coisa mais normal do mundo sair por aí flertando com outra pessoa sendo que temos um compromisso.

- Não me trairia, porém saiu por aí flertando, fazendo sei lá mais o que com essa mulher. Você pode não ter traído, mas ouve intenção Mendonça. Existem vários tipos de traições. E não somente o contato íntimo - Passo os dedos pelo cabelo em uma tentativa falha de me acalmar

- MARAÍSA. Você está me ofendendo - Ela se levanta - Qual é o problema em eu me divertir? Nós duas nunca saímos juntas. Sempre trabalho, ou trancadas assistindo filmes

- Eu pensei que você gostasse disso. Além do mais você nunca me disse sobre essa vontade de sair pra dançar. Tudo é questão de diálogo Marília. Nem parece que foi casada durante anos para saber como funciona um relacionamento. - Nem percebi o momento em que me pus em pé

Seu rosto estava vermelho e eu não estava diferente. Eu me perguntava aonde foi que falhei com ela. Relacionamento sério era novo para mim. Eu acreditava que Mendonça gostava de ficar em casa e curtir os momentos nossos, e com as meninas.

- Sim, eu gosto dos nossos momentos. Mas você não pode me julgar por querer sair. Eu passei minha juventude toda em um relacionamento. E quando saí de meu luto, engatei em um relacionamento com você, sem ao menos ter tempo de respirar

A minha risada ecoa pelo cômodo. Eu nem sei o que estou sentindo mais. É uma mistura de raiva, tristeza, e medo. Medo de perde-la pelo rumo que se está seguindo a nossa conversa. Mas eu não quero alguém preso a mim por pena. E muito menos alguém que é capaz de desejar outra pessoa sem se importar com a porra dos meus sentimentos.

- Se eu não te deixo respirar basta você ir - As palavras pulam de minha boca fazendo o meu coração se acelerar.

- Eu não quis dizer isso - Ela se aproxima, porém eu me afasto - É isso que você quer? - A loira lambe os lábios

Eu fico em silêncio. Tudo dói dentro de mim. Estava sendo um péssimo dia. E eu não estava sabendo lidar com tudo, pela primeira vez em minha vida, tudo estava saindo de meu controle.

Silêncio

- Sim. É isso que eu quero. Você terá sua liberdade Mendonça - Caminho até a porta

- Maraísa?

- Sim?!

- Me desculpe. Eu não queria te machucar - Sua voz chorosa, faz as lágrimas caírem por meu rosto.

Respiro fundo. Passo a mão por meu rosto, secando as lágrimas e caminho para fora do quarto. Marília tinha entrado em minha vida de repente, e assim como entrou, ela estava saindo.

RecomeçoOnde histórias criam vida. Descubra agora