11 - Guqin

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     O sol se punha no horizonte quando pela primeira vez A-Yuan conseguiu se equilibrar por mais de cinco segundos em uma parada de mão nas varandas do jingshi de Lan WangJi. As palmas já estavam doloridas, vermelhas, e seus punhos pareciam latejar. Ainda assim, sem reclamar, tentava fazer como WangJi-gege e manter seu corpo alinhado, sem que seus joelhos tombassem para trás ou sua coluna rolasse para frente. Por estar meio disperso e aéreo durante as aulas, HanGuang-Jun decidiu mostrar a ele uma forma de aumentar sua concentração e consequentemente seus músculos superiores, pois em pouco tempo A-Yuan iniciaria seus treinos de esgrima. Porém, ele mal conseguia se manter sobre suas mãos por muito tempo e muito menos voltar para a posição quando caia. Com isso, Lan Zhan mal tinha tempo de fazer suas próprias paradas de mão, antes de ter que ajudar A-Yuan a voltar a sua.

     — Desculpe gege, eu não consigo. — A-Yuan murmurou, se sentando no chão. Seu olhar decepcionado procurava no rosto de WangJi sinais do mesmo sentimento, mas ele não o encontrou. Não encontrou nenhum, na verdade, como sempre. HanGuang-Jun assistindo o desânimo do menino, se sentou ao seu lado e acariciou seus cabelos silenciosamente. A-Yuan quase ronronou.

     — Amanhã tentaremos outra vez. — Lan Zhan disse, mas Sizhui não se animou. — Está fazendo bem.

     — Estou fazendo bem?! — Ele exclamou. — Se eu estivesse fazendo mal ia rolar para sempre, então. — Ele riu ao imaginar a si mesmo rolando pelos Recantos da Nuvem inteiro. Cada vez que imaginava novamente, voltava a rir. Lan WangJi não pôde segurar um pequeno sorriso por achar engraçado a maneira como o pequeno ria demasiadamente por algo tão bobo. Riu tanto que seu corpo tombou mole no colo de HanGuang-Jun, que tirou os fios de cabelo de seu rosto vermelho. — WangJi-gege eu quero ser como você um dia. — Ele murmurou, fechando seus olhos.

     — Te educo para que seja melhor. — Lan WangJi respondeu. Ele estava sendo sincero. Tentaria não cometer os erros que cometeram consigo para que no futuro, A-Yuan não cometesse os mesmos erros que ele cometeu. Faria de A-Yuan um menino corajoso, expressivo e gentil. Ganharia sua confiança para que seu coração fosse leve e livre de complexos destrutivos, que o fizessem pensar que sofrer em silêncio o fazia forte. Não queria que no futuro engolisse palavras que poderiam mudar sua trajetória por medo, insegurança, e orgulho. Jamais queria ver A-Yuan sofrer por algo que ele poderia ter mudado, e não o fez. Se ele viesse chorar para ele por arrependimento, o acolheria em seus braços como sempre fez. Mas se fosse pela dúvida, sentiria que falhou de alguma forma em sua criação.

     Ao se pegar vagando pelo futuro do menino em seu colo que ainda nem ao menos sabia o que significava de fato o arrependimento, viu que seus planos ao lado dele não foram feitos por uma emoção momentânea como ouviu de seu tio quando o trouxe. Não era algo temporário, ele teria A-Yuan para sempre e ele o teria de volta. Não sabia o que o futuro lhes reservava, mas esperava que nunca fosse a separação, o distanciamento. Esperava tê-lo sempre por perto para que pudesse o proteger, zelar por sua segurança e bem estar. Em pensar que A-Yuan poderia nunca ter sido encontrado por alguém... E mesmo que fosse, não se sabe ao certo se esse alguém o cuidaria ou o faria sofrer ainda mais. Lan WangJi não gostava de pensar sobre isso, pois uma agonia imensa começava a dançar em seu peito. As coisas são como são. E ainda bem que foram daquela forma.

     — Está muito frio hoje. Muito frio. Muito frio. — A-Yuan se enfiou entre os braços de HanGuang-Jun como um pequeno coelho, que os abraçaram contra o peito. — Minhas mãos estão geladas, veja. — Colocou-a sobre a bochecha de Lan WangJi que não pareceu se importar muito. Juntando as duas mãos do menino dentro das suas como uma concha abriga a pérola, soprou o ar quente ali. A-Yuan riu encolhendo o pescoço, deitando sua cabeça no antebraço de Lan WangJi, lhe direcionando um olhar fascinado e brilhante. A-Yuan o venerava muito. Para ele, seu WangJi-gege nunca havia errado e era muito inteligente. Além de inteligente, tinha os arranjos de cabelo mais bonitos de toda GusuLan. Ele queria usá-los mas WangJi-gege dizia que eram muito grandes para seu rosto miúdo, então ele esperaria até ser alto como ele. Percebendo o olhar radiante direcionado a si, HanGuang-Jun não achou que merecesse tanto. Seu irmão lhe dizia que o amor de uma criança vale ouro, mas a adoração é como cristal. É como ganhar benevolências tendo feito mal aos outros e achar fortunas após roubar de alguém mendingo. WangJi não entendia o que ele queria dizer até aquele instante. Era sobre receber do universo uma preciosa dádiva e não se achar merecedor dela. Sobre ser apreciado com um olhar muito verdadeiro, e receber a maior confiança do mundo inteiro mesmo sabendo que como qualquer outro, você pode errar e decepcionar. Sobre ter medo de decepcionar. — Gege está triste? — A-Yuan questionou depois de segundos encarando a face inexpressiva de Lan WangJi. — Por que não consegui fazer? — Se referiu às paradas. Seus olhos pequenos marejaram, e o homem quis rir. Como estaria triste por algo tão pequeno?

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