RMS Titanic, Oceano Atlântico
– 14 de Abril de 1912 –
A água entra por toda parte, é fria, abundante e sem escapatória. O oceano é profundo e ele me engole de uma só vez.
Salto para fora do pesadelo atônito, viro e me reviro até parar sentado na cama, uma fina camada de suor cobrindo meu rosto e peito e as batidas aceleradas do meu coração que ecoam diretamente em meus ouvidos. Olho para o outro lado da cama onde Harry continua a dormir seu sono imperturbável, alheio a minha respiração descompensada.
Deixo um beijo no centro de suas costas e deslizo para fora do nosso ninho. Vou andando meios as cegas até o nosso vagão de passeio, duas mesinhas brancas talhadas em madeira estão dispostas com toalhas rendadas e um vaso de flores frescas. Eu nunca usei aquele lugar, provavelmente nunca usaria.
Alcanço as bordas do peitoril da sacada, a minha vista é uma só: o Atlântico. Diferente das outras essa é uma manhã mais fria, congelante até, eu diria. A pele nua do meu tórax se arrepia.
Daqui o mar parece calmo, imperturbável como o sono de Harry. Nada além de água límpida e branda.
Mas esse frio que sobe e se propaga no ar não esconde que estamos navegando sobre o perigo.
Um mês antes de embarcarmos eu li uma nota no jornal do Reino Unido, ele falava sobre um homem, Robert Falcon Scott, um oficial honrado que morrera de hipotermia ao alcançar o Pólo Sul, no extremo da Antártida. O escritor descorera sobre como deveria ser a sensação de morrer congelado, primeira era como se a sua pele pegasse fogo e aos poucos começasse a arder e essa sensação só ia aumentando e aumentando ao ponto de desejar arrancá-la com as próprias unhas, e então viria a sensação de facas pontiagudas e longas sendo lentamente atravessadas pela carne, uma atrás da outra, sem descanso, só agonia. E você desejaria, ansearia e imploraria, mas a morte só viria quando você esquecesse dela, quando esquecesse de tudo.
Lembro que quando li a notícia fiquei inrriquieto por dias e agora a sensação estava de volta.
Por que eu não aceito que estamos seguros?
Mantenho os meus demônios para mim, fazemos o desjejum sentados no tapete persa, Harry se distrai em rabiscar algo em seu diário com as pernas esticadas sobre o meu colo. Bebo meu chá enquanto acaricio suas coxas, serpenteando meus dedos pela curva do traseiro. Ele solta suas risadinhas e não passamos daquilo, eu sinto como se fôssemos um casal de recém casados em lua de mel. Apenas aproveitando o fulgor da paixão e o privilégio de tocar e estar com o outro.
Como um bom domingo teremos o brunch hoje. Acredito que branco seja a escolha certa para essa fria manhã de sol.
Tão breve iremos aportar e não é hora de economizar nos meus melhores trajes. Conforme vou dando o nó na gravata mantenho Harry no meu campo de visão, ele tem fumado mais do que qualquer cavalheiro nas salas de fumar ou que uma dona de casa depressiva. Eu consigo contar diariamente mais de trinta e ele me parece cada vez menos enérgico e mais letárgico. Isso pode ser culpa minha, eu o tenho cansado, meu cérebro trabalha rápido em uma maneira de fazê-lo relaxar e recuperar as forças.
Enquanto isso meu irmão permanece deitado na cama de pijamas olhando para o teto e tragando o quarto cigarro desde que acordou. Ele está sexy, o cabelo castanho caindo em ondas suaves por sua testa.
— O que te deprime, meu amante?
Descobri que ele gosta da palavra amante e de ser chamado assim e eu gosto de poder chama-lo de meu livremente, ao menos nesse quarto.
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ATLANTIC
FanficLouis carregava o peso do mundo em seus ombros e tudo o que almejava era ser um pouco mais parecido com seu irmão. Harry podia ser atrevido e espirituoso, mas a verdade é que ele tinha um mau pressentimento sobre aquela viagem; uma certeza era válid...