O Menino da Lua

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Durante a cerimônia de abertura do testamento ele não conseguia parar de pensar na sorte que ele tinha. Sua vida virou de cabeça para baixo desde o falecimento do seu Tio Marcos. Na semana passada ele era apenas um gerente de uma lanchonete numa cidadezinha nos arredores de Marília, São Paulo. Dentro do escritorio de advocacia ele se tornou o terceiro homem mais rico da cidade, único herdeiro do tio, dono de uma fazenda leiteira perto de Jafa.

Impressionado com o valor da herança ele pediu demissão sem cumprir o aviso prévio e partiu com suas melhores posses dentro de seu Sienna prata de segunda mão.

Na fazenda ele foi recebido pelo capataz, um homem forte, de feições duras e um aperto de mão doloroso. Ele parecia pouco feliz em receber o novo dono da fazenda, ao que o rapaz atribuiu a mudança no comando, ele sabia que isso sempre desequilibrava a equipe até desenvolver a confiança para operarem em conjunto.

- Olá, sou o novo dono da fazenda. - ele tentou não demonstrar o desconforto com o aperto de mãos - gostaria de conhecer a propriedade por gentileza, sim?

O capataz iniciou o tour pela Casa Grande, uma construção de duzentos anos de idade, feita com tijolos de barro cozido. O interior não tinha luxos, aqueles eram os móveis antigos que serviam a família há gerações. O quarto era amplo, com uma cama servida por um colchão de palha, janelas de madeira pintadas com um verde escuro que desbotou até restar apenas um verde claro, quase branco.

Ele decidiu que cuidaria das aparências depois.

A cozinha era equipada com o mais antiquado equipamento doméstico possível: um fogão a lenha com uma chaminé tubular atravessando o telhado de cerâmica vermelha. Do outro lado uma pia grande e os armários embutidos nas paredes. No centro uma mesa sólida de madeira pesada, guarnecida por seis cadeiras da mesma madeira.

Tudo lembrava um museu aberto ao publico de uma casa de fazenda genérica.

Ele tentou se afastar da decadência do lugar se refugiando no escritorio, onde seu ânimo despencou. Era um cubículo mal ventilado, equipado apenas com uma escrivaninha e uma cadeira de madeira. Um arquivo de papelão estava sobre a mesa onde ele encontrou os registros financeiros da fazenda.

- Meu saco... - as contas estavam no vermelho, analisando os últimos três meses ele viu uma curva descendente que expressava uma queda de nada menos que quatrocentos por cento no faturamento.

Só podia ser brincadeira.

O destino gosta de tripudiar, aparentemente.

Permaneceu duas horas reavaliando os dados e analisando o faturamento dos últimos dois anos.

Ele procurou o capataz e pediu que o levasse aos animais, onde encontrou suas vacas magras, com o leite mal sobrando para os novilhos recém nascidos. Os animais pareciam inquietos, como se estivessem assustados. Os funcionários murmoravam e se benziam a todo momento, cuspindo no chão e rezando em sussurros pelos cantos.

Ele não precisava ver mais nada para entender porque os negócios estavam indo de mal a pior.

Aquela gente era supersticiosa, a ponto de assustarem os animais com suas crendices de caipiras do interior.

Aquilo estava fadado inevitavelmente a afundar. Mas isso ele não ia permitir. Afinal essa era sua área de atuação.

Gerenciar. Controlar. Garantir a produtividade de qualquer negócio.

Sem esperar mais nada ele passou a distribuir as tarefas para os funcionários e a empurrá-los para fazerem seu trabalho. Logo a fazenda estava fervilhando de atividades, com os animais recebendo banhos quentes para se acalmarem e se animarem a voltar ao pasto.

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