Parte 1

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Já perdi a noção do tempo. Há muito que o sol nasceu e, já antes disso aqui estava eu sentada. A meu lado, estão os ténis brancos, enquanto os pés estão dentro da água gelada do lago.
Não está vento, por isso, não há ondas no lago. Para ser honesta, já nem me recordo do motivo que me trouxe aqui hoje. Sei apenas que não me quero mexer de onde estou. Estou confortável assim mesmo, apenas sentada a contemplar o horizonte.
Viver ou morrer... Não sei! Perdi o gosto pela vida, mas parece-me que a coragem para acabar com a dor não me acompanha.
As lágrimas teimam em cair-me pelo rosto, nem me dou ao trabalho de as impedir. Talvez, depois de as esgotar, possa encontrar as forças par decidir se salto ou se regresso à cabana onde vivo há 3 anos, a apenas 30 minutos de distância, a pé.
Inspiro.
Expiro.
Permito-me acalmar, lentamente. Limpo as lágrimas e continuo a observar como as cores do céu vão mudando, à medida que o dia vai avançando.
De repente, sou arrancada de todo o dilema em que estava, com o som de pesados passos, bem atrás de mim.
Levanto-me de um salto, aterrorizada. O medo de ter sido encontrada dá-me a volta ao estômago. Penso em atirar-me para a água, mas também também morro de medo de o fazer, nem sequer sei nadar. Não conseguiria nadar para segurança, mesmo que tentasse.
Assim que dirijo o olhar para os passos, deparo-me com um homem incrivelmente elegante a caminhar lentamente até mim. À medida que se aproxima, posso ver melhor como ele é fisicamente. Estou sentada, mas posso ver que é um homem alto, tem cabelo escuro, veste um fato bem caro do que todo o conteúdo da cabana onde estou, dono de um olhar bem misterioso. Agora, a poucos passos de distância, posso reparar que é asiático e aparenta estar na casa dos 30 anos de idade.
Não o reconheço, mas isso não me deixa mais descansada.
O desconhecido pára a uns míseros 15 centímetros de mim e posso sentir-lhe o perfume intenso amadeirado e forte.
— Bom dia, menina. Este não me parece o melhor lugar para uma jovem estar sozinha. — diz, de sorriso no rosto.
Engulo em seco.
O primeiro pensamento que me invade, é fugir, mas o homem aparenta ser bem mais rápido e ágil que eu. Não chegaria sequer a sair da plataforma de madeira. "O que faço agora?"
Tento andar, para qualquer lado, mas as malditas pernas decidem não obedecer a nenhum comando.
— E este não parece ser o local para alguém vestido dessa forma. — disse mesmo isto? Porque não fico calada quando o devo fazer?
Engulo em seco novamente.
O estranho arregala os olhos, em completo espanto com a minha ousadia. Até eu me espanto comigo mesma. Nem perante uma situação potencialmente perigosa, tenho cuidado com a língua afiada.
— Vejo que é uma jovem coberta de coragem. Algum dia, colocar-se em perigo por falar dessa forma. Algum dia, pode deparar-se com alguém perigoso. Já pensou que este pode ser esse dia?
Sinto um arrepio percorrer-me a espinha, à medida que o oiço. A ameaça latente na voz só aumenta o terror que me consome.
E se este homem tiver sido contratado para me encontrar? E se o meu pesadelo se tornou realidade?
— Acredite, já tive encontros suficientes com verdadeiros monstros, não tenho muito mais a perder. — digo, tentando manter a firmeza na voz. Se demonstro o medo em que estou enterrada, este poderá mesmo ser o fim. O meu fim!
Momento irónico, tendo em conta o que realmente me trouxe aqui.
— Eu poderia ser mais um desses monstros. — afirma, enquanto tira do bolso das calças, um isqueiro Zippo dourado e começa a brincar com o mesmo.
— Pode testar-me. Poderá surpreender-se comigo. — provoco novamente.
Este devia ser o momento para ser cuidadosa, não provocadora.
O meio sorriso que me lança desperta em mim um sentimento muito estranho. Sinto o coração bater exageradamente depressa, nunca antes tinha acontecido.
Vejo-o brincar com o isqueiro, sem sequer acender um cigarro e, por mais estranho que pareça, acho-o super sexy. Posso estar em grande perigo, mas não consigo descrever a atração que sinto pelo estranho, que me pode levar ao meu pior inimigo.
— Prefiro não o fazer. Pelo menos, não aqui. — responde. A voz suave distrai-me do lugar onde estamos.
Neste momento, o corpo responde e aproveito a deixa para pegar nos ténis, colocá-los nos pés e decido ir embora, antes que tudo corra demasiado mal depressa.
— Se me dá licença, vou embora. — afirmo, tentando passar por ele rapidamente.
Sem querer, tropeço numa das tábuas da plataforma de madeira e, antes de chegar ao chão, sou agarrada por uma mão firme e forte no braço, fazendo-me levantar e, neste momento, estou a milímetros de distância do homem que tem todo o ar de ser um poderoso mafioso. Não me consigo sentir menos nervosa ou assustada. Mas, ao mesmo tempo, esta atração estranha cresce dentro de mim.
"Devo estar doida. Não me posso sentir atraída por este homem. Ele pode fazer-me mal.", penso.
— Já estou bem, pode largar-me o braço. — peço, aterrorizada.
Ele solta-me, entregando-me um sorriso que desperta em mim um fogo inexplicável.
— Espero que tenha como me compensar. Acabo de perder o meu isqueiro preferido, para a impedir de se magoar. — afirma., estendendo o braço na direção do lago escuro.
Arregalo os olhos.
Era só o que me faltava acontecer, ficar em dívida com um desconhecido, que tenho quase a certeza de que faz parte de alguma família mafiosa.
Respiro fundo.
— Lamento! — exclamo. — E-eu posso recuperar-lhe o isqueiro!
E, sem pensar duas vezes, viro-lhe as costas e atiro-me para dentro da água gelada. Não consigo vir à superfície e entro logo em pânico.
Porque me arrisco, se nem sequer o conheço de lado nenhum?
Tento lutar para respirar, sem sucesso. Mexo freneticamente os braços, mas não consigo subir. O oxigénio esgota-se e estou preparada para me afogar. Afinal, era assim que me queria matar. Queria mesmo acabar com a minha própria vida ou procurava uma razão válida para continuar a viver neste medo constante de voltar a sofrer nas mãos daquele monstro?
Antes de perder a consciência, sou puxada para fora de água.
Abro os olhos, deparando-me com o desconhecido.
— D-desculpe... N-não lhe consegui recuperar o isqueiro. — lamento-me, tentando respirar e falar ao mesmo tempo. — Esqueci-me que não sei nadar. E agora, por minha causa, estragou o fato caro.
Tusso devido ao esforço.
— Porque raio se colocou em risco, quando não sabe nadar? Não tem amor à vida? É apenas um isqueiro, não é propriamente uma pepita de ouro. — não sei explicar, mas as palavras de suposta preocupação despertam novas emoções em mim. E, lembro-me de algo que o pode mesmo compensar pelo isqueiro e pelo fato estragado.
Estou ensopada, mas sinto um enorme calor ao redor da cintura, onde ele tem pousada uma das mãos. Posso jurar que estou com a cara bem vermelha, com a extrema proximidade, devido ao salvamento.
Os olhares encontram-se e perco-me na imensidão daquele olhar castanho escuro e amendoado.
Ele ajuda-me a alcançar a plataforma, antes de ele a subir agilmente para a mesma.
— Está bem, menina? — indaga.
Aceno afirmativamente.
— Desculpe pelo isqueiro e pelo fato. Se estiver disposto a fazer uma caminhada de meia hora, tenho algo que o pode compensar pelo incómodo que lhe causei. — limito-me a dizer.
Sei bem que este homem pode aqui estar a mando da pessoa que temo, mas perdi a noção do perigo depois de ter sido salva de um afogamento.
Só posso estar louca, mas não posso voltar atrás agora.
— Agora estou curioso para saber do que se trata. — aquele sorriso malicioso faz-me estremecer e pensar em coisas que não devo e nunca fiz antes.
Faço-lhe sinal com o braço para me seguir.
A caminhada pela floresta é feita num completo silêncio, onde só penso no tremendo erro que estou a cometer ao trazê-lo ao meu refúgio dos últimos 3 anos. Acredito estar mais segura neste silêncio.
Estou gelada, por causa das roupas encharcadas. Não consigo controlar os tremores do corpo.
— Então, gosta  de arriscar a vida por isqueiros todos os dias ou devo considerar-me especial? — o estranho quebra a minha paz, apenas para me deixar sem reação.
— Nenhum dos dois! — provoco. Na verdade, ele até me parece uma pessoa bastante importante e, mais que isso, algo nele faz despertar em mim um desejo carnal sem explicação.
Inspiro.
Expiro.
Preciso manter o foco, não quero cometer nenhuma loucura de que me arrependa mais tarde. Já basta o que basta. Necessito focar-me no medo sentido quando o vi aproximar-se de mim, há minutos atrás.
— Sinto-me ligeiramente magoado. — tenho quase a certeza de me estar a tentar provocar.
Isso faz-me sorrir, por meros segundos.
Respiro fundo. Preciso de me concentrar. Não o conheço de lado nenhum e tenho a certeza de que foi contratado para me encontrar e matar.
— Tenho a certeza de que terá quem o console em casa. — digo. Mas porque abro a boca, se só vou dizer porcaria?
O som da gargalhada sonora faz com que pare de andar, para o encarar.
— Disse alguma piada? — indago. Mantenho uma sobrancelha arqueada, enquanto o encaro. Realmente não entendo onde está a grande piada no que disse.
— Não, mas pressenti que me estavas a questionar se existe alguém especial à minha espera. — responde, sem perder o sorriso divertido do rosto bem esculpido.
Sem me dar conta, mordo o lábio inferior. Um vez mais, dou por mim a pensar na beleza do homem, e não no perigo que este me pode trazer
— Está tudo bem? — questiona, descendo o olhar até aos meus lábios.
— S-sim! Estou gelada e acho que também está com frio. — minto. Para dizer a verdade, já não sinto nada, de tão vidrada que estou nele. — Estamos a chegar, poderá tirar a roupa e aquecer-se em frente à lareira. Se quiser!
— Não te preocupes comigo, estou bem. — afirma.
— Não tenho um fato de alta costura italiano, por isso só lhe posso oferecer o calor da lareira para secar a roupa, enquanto procuro o que poderá pagar pelo isqueiro. — insisto.
— Confesso, estou deveras curioso. — mais uma provocação.
Reviro os olhos.
— Espero que goste de pepitas de ouro. É tudo o que tenho para oferecer. — como se alguém não gostasse de receber ouro. — Até um membro da Máfia se pode apoderar de algumas pedras de ouro. Se isso também me poder manter em segurança... Arrisco tudo o que tenho!
Engulo em seco.
Olho-o nos olhos, durante alguns segundos. Procuro qualquer reação que me mostre que estou errada, mas o sorriso que me devolve confirma as minhas suspeitas.


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