Capítulo 9: Em Solo Sagrado

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01 de novembro de 2140



Era doloroso estar de volta àquela igreja. Foi ali, há 10 anos, que vi Joseph pela primeira vez. Um rapaz tímido, pensativo e cansado. Era a segunda vez que ele retornava da clínica de reabilitação. Ao lado dele, seu primo inseparável, que também  estava se recuperando. O mesmo iria levá-lo a sua ruína. E dessa vez, foi para sempre. Mesmo assim, Joseph não desistiu dele, sabia que morreria tentando salvá-lo. Acredito que não imaginava que Alex iria tão longe, ao ponto de estragar os planos do Ceifador, colocando risco toda a nossa cidade. Ele esperou o momento certo para fazer essa bagunça toda. Agora eu e Joe estávamos encarregados de arrumá-la. 

Meus passos ecoavam pelo piso da igreja, encolhendo uma das minhas mãos no bolso do sobretudo, enquanto a outra apoiava-se no cetro. O cordão infernal parecia esquentar em meu peito, assim como os outros dois diários que levava comigo no sobretudo. Me sentei no banco ao lado onde estava o padre. Ficamos um tempo em silêncio, nada naquele lugar me lembrava casa. Muito pelo contrário. Sei bem às vezes em que vim para cá para ser exorcizado, mas que no fim, era apenas meu guardão, Mortem me convocando ao meu lugar, ao meu verdadeiro lar, O Consagrado dos Sete.  Não sei se teria sobrevivido até aqui se não fosse Mortem e também a Ordem. 

- Imagino que veio em busca disso - o padre falou primeiro. 

- Disso e de respostas. 

- Então, veio ao lugar certo. 

Ele me entregou e abri onde estava marcado. Estava vazio. Ué... passei pelas páginas. O diário estava sem uma palavra. 

- Não entendo... não tem nada aqui. 

- O que achou que tivesse? Não era isso que estava em busca? 

- Mas... achei...

- Tudo o que precisa de Joseph está dentro de você e o que viveram juntos. Alex é um eco de uma lembrança ruim, do fim que Joseph sabia que teria. 

- Por que ele largaria tudo pra salvar o primo? 

- Porque esse era o Joseph. 

- Tá querendo dizer que o erro dele foi amar demais? - falei descontraído, tentando afastar meu incômodo. 

- Existe mesmo uma forma de definir alguém? Por que temos a obsessão de determinar como uma pessoa deve ou não ser? Por que queremos estar perto dessa pessoa ou para sentir que estamos no controle? 

Silêncio. 

- O que está esperando? - perguntou o padre. 

- Por que ele confiaria em você e não em mim? 

- Ele confiou em você. Não é à toa que poucos saberiam onde achar esses diários. Não consegue entender, Jamie? 

Os portões da igreja se abriram e lá do outro lado, Alex estava parado, nos observando. Me levantei de sobressalto, guardando o diário dentro do sobretudo e me posicionei com o cetro em mãos. Meu coração estava acelerado. Ele não pode entrar aqui. É solo sagrado. Onde está Joe?, pensei pegando o celular no bolso, mas o mesmo estava descarregado. Que estranho... ele estava carregado quando cheguei aqui. 

Voltei meu olhar a Alex e para minha surpresa, ele estava bem a minha frente. Segurando meu cetro e enfiando em meu peito. Perdi o ar ao sentir a dor se intensificar. 


Joe Keery


Como não percebi isso antes? Estava tão na minha cara! Joseph era um gênio, puta que pariu. Não é à toa que eu amava esse homem. E que também nunca me fez correr tanto na minha vida. O cordão infernal era consagrado. O que queria dizer duas coisas: por Alex ser da Ordem, protegido de Lupium assim como Joseph, seu corpo feito de carne serviria de escudo para o infernal possuído nele, já que pedra de lua era a pedra do guardião do Elemento Carne. E ao mesmo tempo poderia proteger outros membros da Ordem. 

Peguei meu celular, mas estava sem bateria. Isso não faz o menor sentido. Já era para estar amanhecendo. Do outro lado da rua, Lutero, Guardião da Cidade das Memórias acenou para mim. Ele vestia-se de forma informal, calça jeans, blusa e jaqueta, óculos escuros, tinha a pele clara e barba por fazer. Provavelmente um protegido de Spiritum que ele encorporou. Sabia disso porque compartilhávamos da mesma energia. 

Atravessei a rua, achando aquilo tudo muito estranho. Por que ele estaria ali e não de volta à Cidade das Memórias? Quando me aproximei dele, não disse uma palavra, apenas me segurou pelo ombro, assim reparei que estava diante da igreja onde deveria me encontrar com Jamie. O mesmo lugar onde Alex também estaria. Algo cintilou ao meu ombro como luz reluzindo em diamante. Um anel brilhava na mão que me apertava. Esquentando assim como o cordão infernal em meu peito. Nada que fosse me queimar, era muito aconchegante. Como um abraço amoroso. Um formigamento que trazia uma sensação boa. Espera... eu já senti isso antes. 

Foi então, que senti o braço de Lutero envolver meu pescoço como se quisesse se aproximar de mim. De um jeito muito íntimo. Foi então que ouvi sua voz perto do meu ouvido. 

- Oi, Joe. Como é bom ver você. 

Me virei o coração a mil e assim que homem tirou os óculos, reconheci seus olhos. Meus botões de chocolate.

- Joseph? 

Ouvi um latido de indignação. Olhei para baixo e vi que ele segurava uma coleira. 

- Bisnaga? Não pode ser! 

A labradora pulou em mim, latindo feliz da vida. A abracei, emocionado. Eu estava sonhando ou... 

- Não, você não está morto. 

Dessa vez, foi Lutero que falou ao meu lado. Estava na sua forma original. Olhei para os lados, a rua estava deserta. Foi então que vi Alex andando pela calçada normalmente com o cetro lunar e parou diante das portas da igreja que ele abriu. 

- O que está acontecendo? Preciso ir até lá, Alex pode entrar na igreja. Preciso avisar a Jamie. 

- Está tudo bem, Joe. Vocês estão seguros - disse Joseph, me olhando com tranquilidade. 

- Eu não entendo...

- Você está em solo sagrado. Você está em minhas memórias. 

Foi então, que tudo fez sentido. Os diários, a pedra de lua, o cordão infernal, o cetro lunar. Então era isso que Spiritum estava querendo me dizer esse tempo todo. Joseph manisfestou suas memórias através da pedra de lua - pedra de Lupium, Guardião do Elemento Carne - , transportando-nos para a Cidade das Memórias, para dentro de suas memórias. Qualquer um que tivesse portando a pedra de lua, teria acesso a elas. 

Senti Joseph acariciar meu ombro, como se confirmasse o que estava pensando. 

- O que vai acontecer agora? - perguntei a ele. 

- Vamos lá - me deu a mão e entregando Bisnaga a Lutero, atravessamos a rua em direção à igreja.  


A Ordem Obsidiana e o Cetro LunarOnde histórias criam vida. Descubra agora