I01I - Retorno

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Abri os olhos e diante de mim vi um céu estrelado que se espalhava como um manto de veludo, um peso frio descaçava em minha mão esquerda, seus contornos familiares aconchegando-se entre meus dedos, como se estivesse ali há muito tempo.

Antes que eu pudesse ver o que era, olhos estranhos encontraram os meus, um rosto surgindo diante o céu noturno com feições nobres e cabelos escuros, um sorriso de escarnio dançando em seus lábios.

Inspirei profundamente, minha memória retornado lentamente com a névoa da confusão se dissipando. 

- Você perdeu. - Declarou Eksean, abaixando-se para se acomodar na grama ao meu lado.

Institivamente, como se ainda estivéssemos lutando, ergui a mão com a adaga e tentei golpeá-lo.

- Não seja uma má perdedora, Layla. - Falou, amparado meu golpe com o braço. 

Deslizando como manteiga a adaga perfurou sua pele, mas nenhuma gota de sangue caiu.

Eksean não era humano, seu corpo fluía de carne para sombras em um piscar de olhos e a noite era seu domínio. Por isso, em nosso pequeno acordo, tentei derrota-lo em uma luta ao nascer do sol, com a luz do dia o enfraquecendo. Mas sem minha outra parte, sem o meu poder, eu não era Aysha Nowak, a última liones que conquistou as Cidades Lunares, que fez licans se ajoelharem por mero capricho e matou seus mestres.

Em vez disso, eu era Layla, uma humana que precisava esconder sua identidade para evitar a morte certa pelas mãos daqueles que uma vez ameacei.

- Me leve até ele. - Peço, sentando-me na grama, tocando minha cabeça onde o impacto de ter sido lançada dói mais. 

- Você sabe que não é tão simples assim. Antes de exigir outro favor, você deve cumprir sua parte. - Retrucou Eksean.

Como um Esimus, um membro de uma antiga raça que ganhava poder fazendo acordos, Esksean podia realizar quase todas as coisas, por isso havia sido preso com braceletes que limitavam seu poder e suprimia a balança de negociações, o transformando em um servo por anos.

Quando o libertei pedi por um de seus favores, oferecendo mais do que podia pagar e isso nos prendeu um ao outro, sendo minha única saída atual matá-lo. 

Um pedido que ele não se opôs, me dar a chance de lutar até sua morte, algo que ele não poderia fazer contra mim, por causa das regras de sua magia. Mas isso não o impedia de me jogar com suas sombras até fazer meu cérebro se desfazer em pedacinhos.

- Não posso fazer o que me pediu e não vou me matar tentando. - Falo arrancando folha por folha da grama. Em outra vida, com meu poder, eu poderia cumprir minha parte. Mas não nessa, não antes de encontra-lo.

- Então chame-me quando quiser tentar novamente. - Diz. 

Não preciso olhar em sua direção para saber que ele havia desaparecido, indo para algum lugar inalcançável para os seres comuns.

Sozinha me deito na grama, vendo o céu novamente, fecho os olhos e adormeço levada pela exaustão.

- Precisa parar com isso, antes que se machuque de verdade, senhorita Nowak. Acredito que seja minha culpa, por não tê-la ensinado a desistir. 

A voz clara de Raymond, ainda que brava em meus ouvidos, me guia pelo labirinto do meu subconsciente. 

Levando-me até o salão do trono da Cidade do Norte, onde ele está sentando de forma autoritária, vestindo uma armadura adornada com uma capa de pele de lobo, algo que nunca o vi usar, mas não duvido que usaria, se tivesse vivido para ver o fim do Tratado, a quebra da trégua entre os clãs que afundou o Continente novamente em uma guerra.

- Como posso desistir de encontra-lo? - Pergunto, minha voz tremula ecoando pelo salão.

Sua expressão endurece, seus olhos de uma cor inconfundível, como brasas quentes recaem sobre mim com desaprovação, não posso evitar de sorrir, mesmo que seja um sorriso frágil.

- Preciso mata-lo por ter tirado você de mim. August Nowak tem que pagar. - Digo, sentindo lágrimas quentes escorrerem por meu rosto, não me preocupo em esconde-las. 

Raymond não se move, não há abraços de consolo ou palavras de alívio entre nós, sua imagem é apenas um lembrete da culpa de minha ambição. De abrir mão do meu poder em prol do amor e perder ambos.

Caminho até ele, sentindo meus pés congelarem no lugar antes que eu possa alcança-lo.

- Se continuar a se machucar dessa forma... - Suas palavras se perdem no ar.

- O que poderia fazer? - Pergunto.

Vejo sua expressão vacilar, seus olhos se desviam dos meus e ele solta o ar antes de falar.

- Meu último desejo foi que não buscasse vingança, Aysha. - Diz, levantando-se do trono para se aproximar. 

Ele para antes de preencher o espaço entre nós, uma barreira invisível que não pode ser ultrapassada.

- Você está morto Raymond, as feridas que ganho não são nada comparadas com as feridas em meu coração e coisas como vingança... Elas nunca foram para os mortos, mas para os vivos. Você não pode me impedir de encontrá-lo. E um dia, de alguma forma, enterrarei uma adaga no peito dele, assim como ele fez com você.

Meus lábios tremem, meu corpo inteiro dói, se eu pudesse voltar no tempo, se eu pudesse ter feito a escolha certa... 

Raymond ainda estaria vivo e Aysha Nowak não precisaria ter desaparecido.

Sombrio - Vermelho vol.2 [HIATO]Onde histórias criam vida. Descubra agora