I04I - A caminho do banquete

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Estou caminhando em direção ao salão de banquetes quando encontro Elikham parado no corredor. Seu cabelo loiro escuro sendo iluminado pela luz alaranjada de uma tocha, ele veste trajes formais, o que é raro de ver. Seus braços cruzados delimitam os músculos extras que ganhou com o início da Guerra.

- Imaginei que não teria uma escolta. - Fala, com seu tom formal e habitual.  

Quando eu estava na Cidade do Norte, despedaçada pela morte de Raymond e por minha própria fraqueza, subi em uma das torres mais altas da fortaleza. Sentei no portal da janela, balançando os pés livres no ar, sentindo minhas lágrimas congelarem no rosto enquanto via a neve derreter com o fim do inverno.

Elikham, que tinha saído da fortaleza para vistoriar o território, me encontrou quando retornou. Apesar de não falar nada, descobri como ele interpretou a situação no dia seguinte, ordenando que dois guardas agissem como minha escolta nas ocasiões em que ele precisava se afastar.

- Você se preocupa demais, o Mestre da Cidade do Norte, não deveria perder seu tempo acompanhando uma humana. - As palavras mal deixam minha boca quando me arrependo de dizê-las. Não mereço sua preocupação.

Devagar, como se estivesse incerto ou como se reprimisse sua natureza, Elikham anda até mim, seus olhos distantes recaem apenas um segundo sobre o meu rosto. Odeio não ser capaz de tentar ler o que está pensando.

- Sabe o que essa noite significa? - Pergunta, muito sério ao falar. O tipo de seriedade que me faz questionar se Edmon, com seu jeito leviano não tinha deixado passar alguma informação importante.

Ainda assim, balanço a cabeça, sentindo uma fisgada no ponto dolorido em minhas costas quando o faço.

- Um banquete para comemorar os esforços na guerra. - Respondo.

Os lábios de Elikham se contraem, sua mandíbula se fecha totalmente. Dessa vez, posso identificar o sentimento claramente, é raiva.

- Aparentemente não é só isso. - Observo.

- Qualquer cerimônia com a presença do Lukoi dá abertura para que o Scriptum Lycanthropy seja evocado, toda e qualquer posição pode ser desafiada. Então, o salão de banquetes não receberá apenas uma comemoração, mas se transformará em uma potencial arena para duelos. Esses soldados não se importariam em matar uns aos outros para subir suas posições.

Afinal, é assim que os licans funcionam, sempre batalhando com garras e dentes pela lei do mais forte.

- Edmon pode ser desafiado?  - Pergunto.

Elikham assente. 

- Aquele idiota - Praguejo. - Eles realmente têm algo em comum.

Eu nunca tinha visto Edmon ser desafiado para um combate, sequer o vi em sua forma lupina. Ter o título de Lukoi, o maior privilégio entre os Licans, atuando como seu governante, era um cargo infeliz que deleguei a Edmon sem pensar nas consequências.

Para um novo Lukoi surgir o antigo tinha que ser morto ou abdicar do seu direito para um sucessor, reconhecido pelos quatro mestres das cidades do território Lican. Como uma Liones, que decadentemente sentia os poderes se esgotarem, eu não podia manter o título de Lukoi e também não o queria, não depois de tudo, então arbitrariamente fiz Edmon ser reconhecido pelos quatro senhores das cidades lunares, sendo nomeado como o Lukoi.

Cedo ou tarde, minha decisão impensada e desesperada poderia acabar custando a vida dele. E mais sangue, sangue demais estaria em minhas mãos, tudo culpa da minha fraqueza.

- Não se preocupe. - Diz Elikham, chamando minha atenção, olhando para as mãos que tento esconder. - Caso o desafiem, tomarei seu lugar. Sei melhor do que ninguém como lidar com os soldados que treinei. Apenas... não acho prudente que você participe do banquete.

Com alguma convicção, fecho minhas mãos em punhos, parando os tremores, engolindo o medo. Não posso mudar o que fiz, mas posso escolher qual caminho usarei para lidar com as consequências.

Não sou a Liones poderosa que já fui, mas continuo sendo a mesma humana que lutou contra patrulheiros, licans e até um ogro. O medo sempre esteve comigo, ele é apenas um velho conhecido.

- Eu...- Começo, recusando a deixar minha voz vacilar, levantando meu rosto para encarar Elikham. - Vou ficar bem. - Digo com um sorriso que espero ser confiante.

Minha tentativa de sorriso deve ter sido péssima, pois Elikham vira seu rosto tão rápido quanto é capaz, em seguida me oferece seu braço.

- Posso acompanha-la? - Pergunta.

Suspiro, aceitando seu convite ao mesmo tempo que falo.

- Já disse alguma vez que você é um verdadeiro cavalheiro Elikham? 

Sombrio - Vermelho vol.2 [HIATO]Onde histórias criam vida. Descubra agora