I05I - Promessa

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Já fui muito arrogante e impiedosa enquanto era poderosa.

Em menos de dois meses, eu havia conquistado duas das quatro Cidades Lunares e, antes de matar o Lukoi anterior, travado disputas e lutas que colocavam a minha vida facilmente em risco.

Raymond esteve comigo em quase todas as ocasiões, exceto por uma, a pior delas, onde estive cega pela raiva por ele ter sido levado e onde encontrei Eksean pela primeira vez.

Adentrei a Cidade do Sul, carregada pelo poder anterior do Mestre da Cidade do Norte, um líder marcial que desejava devorar meu coração para ganhar mais poder e iniciar uma guerra. Liderando um contingente de soldados  e seguindo o conselho de Edmon em "parecer mais do que ser", fui trajada como uma conquistadora, cavalgando enquanto dava ordens cruéis para matar aqueles que tentavam resistir.

Eu acreditava, naquele momento, que era a última Liones do Continente. A descendente de uma raça cruel que quase havia conquistado tudo, detida apenas quando o meu pai escolheu trair sua casa, por acreditar que nosso poder provinha de uma maldição antiga, feita por um deus menor. Esse deus, ao amar uma mera humana e tomando suas dores, concedeu um presente para sua cidade natal, Laldean.

O presente era um poço encantado e sagrado com o poder de curar qualquer ferimento, que, por ser o símbolo de amor daquele deus, nunca deveria ser contaminado. Com a influência do presente, Laldean logo cresceu se tornando um reino pacífico, até o dia em que uma invasão fez o reino ruir. A princesa de Laldean, em uma tentativa desesperada de salvar seu amado, gravemente ferido enquanto defendia o reino, contrariou o aviso do deus menor, e com as mãos sujas de sangue, levou a água sagrada até o homem que amava.

Ele sobreviveu, tornando-se o primeiro Liones, que jurou vingar-se pelas vidas perdidas e pela destruição de Laldean, contaminado pelo maldição do deus menor, o desejo de tomar tudo.

Se um dia eu me deparasse com esse deus, não hesitaria em chamá-lo de um completo idiota. Que tipo de deus dá um presente que traz consigo uma maldição capaz de destruir tudo? Criando uma nova raça tão terrível que fez com que todas as outras se unissem para detê-los.

Os Liones, no fim, tornaram-se uma temida lenda e durante cem anos o Tratado vigorou. Um instrumento assinado no fim da Grande Guerra por todos os líderes  das Casas Antigas que juraram evitar conflitos entre si, até que o Continente estivesse recuperado.

No entanto, um dia antes da data final do Tratado, uma guerra estourou, provocada pela líder da Casa Asatru. Não tardou para que as outras Casas também entrassem em conflito, lutando para expandir seus territórios ou, simplesmente, reacendidos por rivalidades antigas.

Às margens do território Lican estão os territórios Artemis e Ogro. Sendo irracionais em qualquer época e não possuindo uma hierarquia de comando, os Ogros não apresentavam perigo real aos Licans. O que restava como ameaça eram os Artemis, que reivindicavam todas as florestas em torno das Cidades Lunares como suas.

Eu não entendia o suficiente de política para me envolver no assunto, mas sabia que os licans jamais aceitariam ter uma grama do seu território reivindicado por qualquer Casa, devido a natureza territorial de sua raça.

 Assim, sem a anuência de qualquer mestre e sem o conhecimento de Edmon, os licans dos clãs selvagens, que não reconhecem o comando de nenhum rei, começaram a invadir o território Artemis, provocando sua ira e retaliação.

Sendo os Licans metamorfos com a capacidade de virar lobos e modificar seu corpo para o lado bestial, os Artemis eram caçadores abençoados com o poder de uma deusa e o objetivo de manter o equilíbrio na natureza.

A balança da disputa pendia perigosamente contra nós. 

Por isso, Elikham como o líder da Cidade do Norte havia se prontificado de formar acampamentos nas fronteiras das Cidades Lunares, proibindo os licans selvagens de sair e causar danos, bem como de repelir as investidas dos Artemis e dos Ogros. 

Para estimular que os licans não agissem sozinhos, e se aliassem aos exércitos e Mestres de suas cidades, Edmon havia promovido o banquete para recompensar os soldados. Mas isso seria o suficiente para manter a paz interna? Para manter os orgulhosos licans na linha? 

Ele era um Lukoi com o sangue da linhagem do último rei, mas que não havia conquistado o respeito dos outros mestres e licans por contra própria. Se Elikham estivesse certo quanto a existência de soldados que invocariam o direito ao duelo e ao fato do banquete virar uma arena. Eu estaria pronta para assistir a tudo sem mover um dedo?

Pensamentos demais para quem já deveria ter chegado no salão de banquetes.

Sentindo que estávamos caminhando muito devagar, desvencilhei meu braço do de Elikham e sem o apoio, que não me dei conta que estivera usando até então, senti minha visão escurecer.

Elikham recuperou meu braço e me segurou quando minha cabeça se tornou pesada demais, evitando que eu caísse. 

Imediatamente percebi que havia algo de errado com o meu corpo. Mas o que? 

As horas que passei sem dormir? As exaustivas lutas contra Eksean cobrando seu preço? O vinho que nunca levei para Edmon e bebi por conta própria? 

- Aysha? - Posso ouvir Elikham perguntar, muito, muito baixo.

Ele me levanta e passa os braços por baixo de mim, para me levar no colo enquanto continua a andar corredor a frente, não em direção ao salão de banquetes, mas a sala do trono, onde dois soldados com o uniforme da Cidade do Norte guardam a porta.

Quero perguntar o que está acontecendo, mas as palavras não saem de forma alguma.

Recusando-me a cair na inconsciência, mordo minha língua. A dor me mantém acordada, apesar de meus olhos quererem se fechar por conta própria.

- O que pensa que está fazendo, Elikham?! - Exclama Edmon, sua voz elevando-se com toda a autoridade que possui.

Turvamente, antes de meus olhos se fecharem por completo, consigo ver Elikham parar em frente ao trono onde Edmon está sendo mantido, com dois soldados apontando espadas para ele. Um ato de traição, totalmente irreparável.

Pela lei dos lican, Elikham e seus soldados iriam para a execução, e eu não poderia salvá-lo outra vez.

Como se a ideia não passasse por sua mente, posso ouvi-lo andar até onde imagino ser o trono, com passos firmes, sustentando meu peso facilmente.

- Estou cumprindo a minha promessa - Responde. - Você não é capaz de mantê-la em segurança, pude ver isso assim que retornei. Então, irei levá-la de volta para a Cidade do Norte.

- Ela não pertence a você - Diz Edmon.

- Não, não pertence a nenhum de nós - Responde Elikham, acrescentando em uma voz que sei que apenas Edmon e eu podemos ouvir. - Somos nós que pertencemos a ela.

Sombrio - Vermelho vol.2 [HIATO]Onde histórias criam vida. Descubra agora