00 - ANTOLOGIA ANTOLÓGICA

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Claque-Claque Pressente Joy

Josephinne Lawrey está saindo de seu exaustivo trabalho. Os trabalhos do século XXI sempre são horríveis. Sem terno, gravata, sapato, maleta e óculos caros, você pega seu macacão amarelo, luvas de borracha azuis, uma máscara respiratória, óculos de proteção, coturnos pretos e segue para o trabalho. As subferias de Hollowpointtown se demonstram um labirinto de ruas tomadas por um caos urbano, você caminha por uma calçada, e parece um beco disfarçado, você caminha por um beco, e imagina ser um canal de esgoto.

Joy tirou seu uniforme ermo e quente, e agora se vê no seu estilo comum, com seu moletom vermelho fosco de mangas pretas que realçavam seu aspecto um tanto robusto, mesmo que em suma, não seja tão grande, sua calça jeans preta rasgada e seus tênis de skatista com cadarços personalizados são a personificação do lado antissistêmico que corre em sua veia. Seu cabelo longo crespo preso num rabo de cavalo de dreads que batiam no meio de suas costas, lhe dando o aspecto que mais gostava, a pouca liberdade que ainda tinha para ser o que queria enquanto presa à uma coleira imaginária imposta para si desde que percebeu que a violência, mais do que isso, percebeu que a morte, não é o fim, nem para quem sofre, nem para quem tá de fora. Andava por aquelas com sua mala de trabalho contendo toda a sua tralha para um serviço feito corretamente. E as luzes da cidade, ao menos, as que conseguem delinear naquelas ruas baixas e precárias, tomadas por sombras irreais, aquela luz refletia por sua pele negra num brilho único que apenas sumia quando entrava num atalho até seu apartamento em algum lugar no meio das sombras.

Sua face tremia num constante choro que não vinha, olhava seus pés enquanto chutava latas num caminho estreito até as ruas de seu bairro, os olhos escuros reluzindo no reflexo das luzes de neon da cidade, mas um reluzir avermelhado, uma espécie de choque emocional silencioso. Seu trabalho hoje conseguiu ser pior do que todas as outras vezes nas últimas duas semanas. Sempre há um ciclo similar onde é exposta ao pior do que o ser humano urbano é capaz de fazer, e precisa lidar com isso para pôr comida na mesa. Hoje, não precisaram usar uma maca, tiveram que pegar o corpo com as mãos para pôr no veículo de extração. Trabalhava no Departamento de Reciclagem de Matéria Humana Descartada (DHMRD), e eles eram companheiros do Departamento do Pronto-Socorro. Se a vítima estivesse quase-morta, seria levada à tratamento primeiro para evitar a reciclagem, e assim, ser salva. Mas hoje, o erro foi terrível. Uma mulher tinha sido emboscada num beco por um psicopata ou uma psicopata, e teve sua boca cortada em pedaços e então, fora perfurada em quatorze lugares por algum objeto cortante forte. Mas o problema, foi que quando chamaram as autoridades do Departamento de Reciclagem, ela ainda estava viva e se contorcendo de dor e agonia. E na ligação constava um ser morto, morto, morto. Então a equipe de Joy foi até o local, sem auxílio do Pronto-Socorro. E fora forçada por suas duas colegas de trabalho, Jane e Austen à carregar o corpo ainda pulsando de vivacidade mórbida até o veículo ao contatar o Pronto-Socorro. Disseram que fazendo isso, receberiam créditos à mais. E assim, por mais de 40 minutos até o centro de reciclagem, a mulher estranha seguiu gritando e agonizando enquanto encarava Joy balbuciando "me ajuda"... "me ajuda"... não conseguia falar direito devido ao rosto cortado através da boca, a língua para fora coberta de sangue, as tremidas de sua garganta, o choque nos seus olhos trêmulos, e o corpo rompido ao ponto de virar um saldo para o banco de sangue.

Joy segurou suas emoções fortes até chegar no local. Jane acabou matando-a com um golpe de misericórdia, retirando o travesseiro de sua cabeça que a apoiava na mesa de transporte e impedindo que Joy e Austen estancassem suas feridas, acabando por lambuzar todo o veículo de extração com vermelho. Ela acabou morrendo engasgada no próprio sangue. Sem violência, sem pancadas, sem tiros, apenas a natureza fazendo sua parte após ser violada por lâminas compradas na papelaria mais próxima.

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