Os Tecidos, As Cores

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A água estava gélida. O rio corria lento. Sentada às pedras, três mulheres, com diferentes pensamentos trabalhavam caladas. O que estariam pensando? A cada momento que passava mais a incerteza imperava. Lúcia estava decidida a ir até o fim? E Rita, que ainda se martirizava com o ocorrido em relação a amiga, se mostrava tão curiosa quanto antes? Betina, a desacreditada, tomara a decisão certa? Não tinha como saber. As três eram incógnita uma para a outra.

Rita ensaboou a tolha pesada de algodão, espremeu e cuidadosamente a colocou enrolada sobre a pedra retangular. O bastão de madeira, que tanto lhe ajudara, estava ao seu lado, pronto para a tarefa que lhe aguardava. Rita, afim de afugentar o silêncio doloroso, começou a cantarolar, enquanto com esmero desferia a madeira sobre a toalha:

— "Mandei caiá meu sobrado..." — a voz era como sussurro, um grave arrastado. — "mandei, mandei, mandei. Mandei caiá meu sobrado..."

— "Caiá de amarelo." — Uma nota diferente se fez ouvir, um soprano afinado. Rita, com olhar esperançoso viu que Lúcia continuava: — "Mas cadê meu lenço branco... ô lavadeira, que eu lhe dei para lavar... ô lavadeira..."

— "Madrugada madrugou ... ô lavadeira" — Tina ergueu a voz, pegando as duas de surpresa com o mezzo perfeito. — "E o sereno serenou ... ô lavadeira."

"Não tenho culpa do que se passou

Deu uma chuva muito forte

E o lenço carregou."

As três, em harmonia, entoavam a canção das lavadeiras. Rita ainda trabalhava na toalha, enquanto Betina mergulhava os lençóis nas águas trêmulas. Lúcia Valéria puxava o refrão a plenos pulmões fazendo do rio o palco dos talentos. Aquilo foi mágico. A floresta vibrou, árvores e pássaros apreciavam a magia que estava acontecendo naquele lugar. Elas não se importavam com mais nada. Rita fitava Betina, que completava a estrofe, com um sorriso verdadeiro estampado no rosto. Lúcia deslizava o sabão sobre a peça frágil, balançando a cabeça no ritmo da música. Aquela era a primeira vez em tempos que juntas cantavam a canção.

Houve Magia.

De repente, os olhos de todas se focaram em um curioso movimento dentro do rio. Parecia um vulcão entrando em erupção, mas diferente dos ameaçadores, o que elas viam eram algo pequeno e curioso. A areia se revirava, como se um crustáceo estivesse querendo sair. Ondas se formavam sobre a face das águas. Aquilo estava esquisito. Rita se levantou de onde estava e lentamente caminhou em direção ao centro do rio. Tina fitou as duas, que já estavam próximas e de igual modo se juntou a elas. De dentro do pequeno vulcão, que mais parecia uma areia movediça, algo despontou; era um pequeno retalho de tecido.

— Que diabo é isso? — Betina quebrou o momento assombroso. — Fiquem quietas, não dá pra ver direito com vocês se mexendo.

— É algum pedaço de pano. — Observou Lúcia.

— Tem mais de um, conseguem ver? — Rita apontou.

As águas do rio pareciam ferver. As ondulações causadas pela aparição, atraiu a atenção das moças. Lúcia atentou para o que via: o tecido roxo lhe era fascinante ao olhos. Seu desejo foi de pegá-lo, como se nunca na vida tivesse visto algo tão perfeito e delicado.

— Lúcia, não. Pode te puxar pra dentro. — Rita tentou intervir, mas já era tarde. Lúcia puxou o tecido, que facilmente se revelou em algo valioso. Tinha os comprimentos de uma echarpe.

— Oh, mas isso é...

— Tem mais um! — Betina apontou para outro pedaço que emergia do buraco. Um tecido de cor amarelo, como uma pétala do girassol, foi puxado por ela. A cor estonteante embalava os olhos de Betina, que em um movimento rápido a colocou sobre o pescoço: — Isso é de outro mundo.

Rita estava hipnotizada pelo outro retalho que balançava ao movimento do rio, como se fosse uma alga presa aos corais, de um lado para o outro. Aquele era o seu. Um retalho fino e transparente de cor azul foi puxado de dentro do rio, após isso, o movimento cessou.

— Alguém pode me explicar o que aconteceu aqui? — Lúcia perguntou, como se estivesse saído de um transe.

— Eu também quero saber. — Rita fitava o azul anil do tecido com adoração. — Eu nunca vi fibra igual a essa.

— Eu também não. Num instante estava lavando e no outro estou aqui. — Betina analisava o retalho com esmero. — Só tem duas pessoas que pode nos dar uma explicação disso.

As três se entreolharam e entendendo a situação se dispuseram rapidamente em concluir o que estavam fazendo. Algo de suma importância as aguardavam em casa.

AS LAVADEIRASOnde histórias criam vida. Descubra agora