— Vamos tentar de novo e dessa vez sem erros.
Maria estava sentada à sombra do cajueiro, uma em meio a tantas outras naquele lugar. Amélia estava mais à frente, observando a tudo com total atenção. O tempo voltara naquele instante. Diferente de agora, é que não era mais Maria, nem Amélia e nem Mirna. O lugar havia sido ocupado por novos rostos. Já estava na hora, pensou Amélia dando uma volta ao redor das três.
— Rita, minha filha, você precisa apertar bem firme. — explicava Amélia com uma gentileza que era só dela.
— Vocês precisam manter os pés bem alinhados. E nunca, por hipótese alguma, desfaçam o círculo. — explicou Maria.
Sobre a relva baixa o vento soprava suave. À sombra de uma velha árvore estava Betina, Rita e Lúcia Valéria. Em forma de círculo as três permaneciam duras. "Nunca desfaçam o círculo" a voz imperava nas mentes que assustadas encaravam umas às outras.
— Agora comecem! — ordenou Maria, se dirigindo em direção as três.
Novamente se iniciou. Primeiro a dança dos passos, um após o outro, em um círculo perfeito. Depois os movimentos coreografados das mãos portando os tecidos; desciam, subiam. Eram estirados, encolhidos, enrolados. Depois o mergulho no vaso, cada uma do seu modo; mas não havia vaso, não agora.
— Mergulhem! — pediu Amélia, com voz serena.
O movimento era cansativo, ora se abaixavam, ora levantavam. Torcia os tecidos sujo, fizeram um nó com as pontas e, suspenso ao meio, trançavam duas tiras.
— Já está bom. Estou cansada. — revelou Rita, descansando os braços e sentando no chão.
Lúcia e Tina fitavam a amiga exausta. Elas também estavam cansadas. Desde muito cedo foram levadas aquele lugar para praticar o encanto. Exigia muito controle das pernas, concentração nos movimentos e forças nos braços. Após tantas tentativas as três pararam.
— Sinto muito, D. Menina — disse Betina, a voz descompassada. — Estou muito cansada. A gente continua noutro dia.
— Não haverá outro dia. — Maria se pronunciou em meio a forte respiração das moças. — E também sei que não conseguem mais. O alinhamento é amanhã.
Olhos perdidos se encontraram sobre a mulher de cabelos finos e grisalhos. A expressão nos rostos era nítida
— Como assim, mãe? — Lúcia se levantou. — A senhora disse que o alinhamento era daqui a dois dias.
— Eu me enganei.
Um suspiro.
— Maria...
— Desculpe, Amélia. A memória já não é mais a mesma.
O pânico se acoplou nos ventres das mulheres. Estava perto.
— Mãe, a gente ainda tem muito que ensaiar.
— Lúcia, eu sei disso. — enfatizou. — Mas não posso exaurir vocês. Precisam estarem forte para amanhã.
Não havia mais o que dizer.
— Então — Betina falou: — estaremos prontas amanhã. — A força brotara de algum lugar. Olhando as duas ela continuou: — Não estou preparada para o colapso que seria ver este mundo em caos. Se ensaiamos até agora e falta pouco para a perfeição, então continuaremos a tentar.
Um vento frio soprou sobre os rostos.
— Betina está certa — concluiu Lúcia.
— Então vamos. — disse Rita sacudindo a poeira das pernas. — Só falta mais uma coisa — anunciou Rita, curiosa: — E o vaso?
— Isso não será problema. — disse Maria chegando mais perto. — Amanhã ele estará pronto. Agora, continuem.
As duas, Amélia e Maria se afastaram e deixaram as três. A dança recomeçou, os passos errados eram reparados incansavelmente. Uma energia lhe foram entregues. Apesar de não estarem com os tecidos mágicos, aqueles retalhos velhos faziam bem o seu papel. O vaso imaginário no centro do círculo era usado com afinco. As mãos se uniam nas tranças de duas. Elas não imaginavam o que viria a seguir. Diferente daquele momento, haveria algo contra quem lutar. Ali estava bem, tranquilo, mas e amanhã? Pensava Maria observando atenta a coreografia, seriam capazes de se concentrar? Ela não sabia e no fundo da alma esperava que o resultado fosse o desejado.
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AS LAVADEIRAS
FantasyEm um Vilarejo vivem três moças que exercem um árduo ofício transmitido de geração à geração: Rita, Betina e Lúcia Valéria são excelentes lavadeiras. Quase todos os dias, as amigas estão à beira do rio, fora do Vilarejo, lavando, cantando e conversa...