Um Novo Amanhã

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A luz do dia entrava pela fresta da janela, varrendo o piso da cozinha, se fragmentando ao cheiro perfeito do café fresquinho. A água transparente e borbulhante caía dentro do pano cheio de borra, saindo pelo filtro em cor preta. O café estava pronto. O líquido deslizava para dentro da xícara de porcelana sobre a mesa, enquanto Lúcia Valéria se servia de bolacha salgada.

À pequena mesa, fitando o nada, as recordações inundaram sua mente. Da noite estranha em que a história fora contada, das emoções alteradas, do medo no olhares e das borboletas em pânico no estômago. Um suspiro longo emitido, revelava a dor impregnada em seu ser. Com passos curtos e vagarosos, Lúcia caminhou em direção à janela que obstruía a luz matinal. O vento sereno da manhã banhou sua pele, agitou seus negros cabelos trazendo o calor que lhe aqueceu o corpo.

A casa estava vazia. Um vazio triste e ao mesmo tempo duvidoso. Lúcia ainda não compreendia o que fizera há uma semana. Depois daquela noite fatídica, seu mundo mudara. Havia felicidade de um lado e tristeza do outro. Rita e Betina até tentaram lhe oferecer um "abrigo" particular, mas Lúcia precisava daquele momento a só. Preferiu saber que Betina estava com a mãe, que voltara, do que compartilhar a tristeza que a dominava. Lúcia sabia que o relacionamento com a mãe era um tanto ríspido, Maria sempre fora severa, um pouco rígida, mas era sua essência, sua particularidade. Tinha motivos para ser assim e apesar de ter tentado livrar a filha de um destino irreversível, preferiu o sacrifício legitimo do que o prazer fingido.

Lúcia estava exausta. Exausta da verdade, das consequências, do mundo. Se pudesse escolher o final teria sido diferente, mas o orgulho da sua escolha desencadearia algo pior, disso ela tinha certeza. O que me resta agora? Fitando o horizonte alaranjado, com uma xícara fumegante, ela se indagou, não sabendo responder as próprias perguntas. Tomou um pequeno gole e ao som da batida na porta baixou a xícara no parapeito da janela. Quis ignorar, por ela já teria ido embora dali, mas o lugar, as lembranças, ainda a prendia ali. Sabendo que o insistente toque na madeira duraria longos minutos, ela enfim cedeu atendendo ao visitante.

Amélia estava à porta. No rosto uma expressão indecifrável. Lúcia ficou curiosa com a repentina visita. A última vez que a viu foi na noite triste. Trajando seu habitual vestido, Amélia trazia consigo um depósito escuro. Vendo aquilo, Lúcia lembrou-se do dia em que Rita também lhe trouxera algo. Tal mãe, tal filha.

— Amélia? — A voz baixo saiu em deslize.

— Lúcia, minha menina. Posso entrar? — O olhar da senhora estava focado no rosto da que, ponderando por alguns segundo, respondeu:

— É claro, entre.

Ambas seguiram para a sala. Agora a luz do dia se espalhara por todo o recinto clareando os pontos mais escuros do cômodo. Amélia sentou-se na poltrona conhecida, enquanto Lúcia lhe servia um café.

— Como você tem passado, menina? — A pergunta fora feita entre pausa para o gole. Sentada à sua frente, Lúcia hesitou. Não sabia o que responder, porque sinceramente, nem ela sabia dizer como se sentia.

— Vivendo. — foi o que conseguiu dizer.

— Vocês faz falta. Rita e Betina me pediu para dizer isso a você.

— Ainda dói — disse Lúcia, suspirando. — A realidade e dura. A dor é pior ainda.

Colocando a xícara na mesinha que separava ambas, Amélia frisou:

— Doer, dói sempre. Só não depois de morto. — Deixando uma onda de ar escapar, ela concluiu: — Porque a vida toda é um doer.

— E como se cura essa dor em vida? — os olhos revelavam a tristeza.

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