05. A SEITA

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Alana encarou aqueles papéis sem acreditar na quantidade de informações que Bruno havia acumulado em um par de dias. Ele era um garoto silencioso, as únicas vezes que falou com ele foi quando realizou algumas compras no mercado próximo. Bruno não saía de casa pra nada. Aquilo era preocupante, mas não tanto quanto o fato do Edifício 83 ter sido a primeira sede de uma seita carioca que se juntou com o objetivo de "limpar" a sociedade dos pecadores indignos. E "limpar" queria dizer matar. Haviam reportagens e mais reportagens de pessoas desaparecidas ou encontradas mortas desde a fundação dessa seita em meados da década de 60, sendo essas pessoas quase sempre pobres, à margem da sociedade e negras.

Engoliu de volta o gosto amargo do seu almoço, pensando em quantas pessoas iguais a eles não haviam sido assassinadas até o momento.

- Eles mataram a Dona Benedita. - A verdade dita em murmúrio por Helô transformou aquele apartamento já tão cheio de coisas em um peso insuportável.

Bruno encarava o nada com o fone ao redor do pescoço. Ele parecia perturbado em tê-los ali, nunca foi fácil para ele socializar, e pior ainda era falar sobre aquelas coisas. Tudo era assustador demais para ser verdade.

- Com qual objetivo?

O rapaz deu de ombros sem erguer o olhar do chão. Seus dedos estavam inquietos.

- Bruno. - A voz firme de Alana não o abalou. - Cara, a gente precisa que você fale alguma coisa sobre isso. - Sustentou o corpo com as mãos nos joelhos, balançando os papéis no nível dos seus olhos castanhos.

- Isso é muito louco. - Escondeu o rosto entre as mãos.

- É realmente uma loucura, mas alguém entrou aqui e dividiu a cabeça da Dona Benedita em duas, e agora tem esse cara vigiando a gente, então a gente precisa saber o que eles querem!

- Sai Alana! - Henrique empurrou ela e sem pensar duas vezes agarrou a gola da camiseta do Bruno levantando o corpo mais magro e mais baixo que o seu. - Olha aqui seu moleque,

- Para, você vai assustar ele, Henrique! - ignorou o pedido de Helô se mantendo fixo naqueles olhos grandes e assustados.

- você vai contar que merda de seita é essa e o que esses branquelos querem com a gente afinal.

Era difícil para o Bruno formular palavras para explicar porque isso iria significar que suas teorias faziam sentido, e apesar da sua vida ser um inferno na maioria das vezes não queria ser assassinado para satisfazer o desejo de uma seita doida.

- Eles querem o prédio de volta.

Henrique franziu as sobrancelhas.

- Por que?

O rapaz engoliu em seco.

- Tem segredos entalados nas paredes e tem gente enterrada aqui

Os dedos lhe soltaram em puro choque.

- Tem gente morta enterrada aqui?

- Somos negros, pobres, desviantes da norma, não somos dignos de estar aqui vivos.

Nenhum deles foi capaz de dizer nada.

Henrique tomou a foto retirada do site da organização e olhou atentamente para cada branco sorridente trajado em ternos brancos. A vida havia te feito duro demais para morrer nas mãos de um bando de racistas.

- A gente devia falar com o Heitor. - Helô estava sendo sincera, espalhados naquela mesa haviam provas suficientes para prender essa gente.

- Seu Raimundo é inocente e tá preso. - Os olhos escuros encararam aqueles mesmos olhos que lhe encaravam de volta. - O que você acha que vai acontecer com a gente?

No peito de Henrique crescia um ódio que por muito tempo foi abafado pelo medo, mas que agora andava de mãos dadas com a raiva. Sentimento muito diferente do que Dona Ana sentiu na manhã anterior enquanto despejava o café para o novo padre da paróquia. Alto, robusto, branco, de olhos azuis.

- Obrigado! - sorriu de maneira amável.

- Eu que agradeço pelo senhor ter vindo, é uma benção recebê-lo na minha casa.

- Vou aonde o Senhor me mandar.

- Amém! - A senhora ergueu a mão aos céus, sem perceber que estava de frente para o demônio de olhos azuis.

O Assassinato no Edifício 83Onde histórias criam vida. Descubra agora