11. O CONFRONTO

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Henrique apagou o terceiro cigarro das últimas duas horas que permaneceu de pé à espreita do Opala verde-musgo. O cano gelado da arma permanecia na cintura, assim como o canivete no bolso da bermuda. Estava à espera de qualquer coisa. O celular marcava 01:30. A algumas quadras da rua deserta, os bares da Lapa estavam lotados, dezenas de pessoas bebiam, ouviam música, se beijavam. A Lapa nunca deixava de ser o clássico bairro boêmio em uma sexta-feira à noite.

Vendo por esse lado, os moradores do Edifício 83 eram privilegiados. Um dos bairros mais cobiçados por aqueles rejeitados socialmente era o centro da sua morada. Os arcos que apesar da imundice em seus pés parecia imenso, as ruas e vielas com seu jeito clássico, a Escadaria Selarón, um dos pontos turísticos mais lindos e perigosos do Rio de Janeiro.

Pena que para Alana nada disso importava. Debaixo do chão daquele prédio ela respirava poeira cheia de acúmulo de tempo e mofo impregnado. Não sabia que horas tinha e na escuridão ela estava desnorteada. Tocou a região atrás da sua cabeça sentindo o líquido quente escorrer pelo ferimento aberto. Ela estava sangrando. O pior era nem ao menos ter conseguido ver quem te atacou.

Diferente de Henrique que fez questão de tirar o capuz e sair do beco assim que o homem de olhos azuis desceu do Opala verde-musgo no outro lado da rua. O rapaz meteu a mão no bolso segurando firme o canivete.

— Ei!

Os olhos o encararam e mesmo o homem sendo alguns centímetros mais alto, ele não teve medo de ser o primeiro a reagir. Sua mão, com o canivete afiado entre os dedos, voou na lateral do rosto dele, mas foi impedido pela mão que se protegeu e o atacou de volta com um soco no meio do nariz. Henrique cambaleou e soltou a arma, lidando com a dor de um nariz sangrando.

— Henrique, pensei que fosse demorar mais um pouco. — O homem ajeitou os ombros debaixo da polo branca com um sorriso satisfatório nos lábios.

As mãos no nariz escondiam o susto estampado no rosto do rapaz.

O cara à sua frente tinha uma tatuagem no braço esquerdo e o corpo, bem mais robusto do que imaginou. Ele tensionou os músculos nas pernas, debaixo da calça social branca, no peito e nos bíceps, antes de avançar em sua direção.

Henrique tentou se proteger com o braço, mas levou uma porrada na lateral da costela, se curvou de dor, recebendo um golpe no queixo que jogou ele no chão. As costas bateram no asfalto deixando a visão das estrelas para ele.

— Eu vou acabar com você… — as palavras acabaram sendo ditas só para ele mesmo.

— Nossa! — o homem demonstrou alegria. — Como eu estava louco por isso. — Com as mãos na cintura ele olhou ao redor, observando o prédio à sua frente. — Sessenta anos depois finalmente iremos voltar para a nossa casa.

Henrique apertou a mão na região da costela e fechou os olhos respirando fundo. Sua cabeça doía e a única coisa que queria era não desmaiar e ficar a mercê daquele homem.

— Vocês tem certeza disso?

— Falou alguma coisa?

— Vocês… — suspirou tomando fôlego. — tem certeza disso?

O homem riu enquanto buscava pelo maço de cigarro e o isqueiro no painel do carro.

— Ora, por que não teríamos? — Pôs o cigarro entre os lábios acomodando as costas na lataria. Riscou o isqueiro, divagando por um momento. Henrique tateou o tecido da sua blusa até chegar na corda da bermuda de moletom que usava. — Essa é a nossa casa, Henrique, vocês que estão no lugar errado.

As íris azuis não encaravam o rapaz estirado no chão, pelo contrário, qualquer ponto na rua parecia bem mais interessante de se observar do que um corpo negro retinto jogado no meio da rua. Ele menosprezava a existência dele, diferente do Henrique que apesar da dor, fazia questão de gravar a pele branca iluminada pela luz do poste próximo ao carro, como uma lembrança de quem o queria morto.

O Assassinato no Edifício 83Onde histórias criam vida. Descubra agora