Capítulo 2

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Yellena Zieliński

A fazenda onde os filhotes e crianças estão sendo mantidas cativas não é muito grande, mas está bem vigiada por guardas humanos muito bem armados, Aiden e eu ficamos observando a movimentação à distância e reconhecendo o terreno. Dessa noite não passa, eu irei salvar os filhotes e já sei como. Ao anoitecer o movimento fica bem mais fraco e, de quebra, a segurança mais desleixada. Eu sabia que era a hora perfeita para atacar. Repasso mentalmente o plano e analiso quaisquer possíveis falhas antes de colocá-lo em curso.

“— Aiden?” —- Chamo o jovem macho que está na outra extremidade da fazenda.

“— Estou aqui,, Yelle”. — Eu consigo sentir o receio emanado pelo lobinho que, inconscientemente adotei como filhote.

Quando encontrei Aiden e os demais filhotes e crianças humanas, ele era o mais ferido de todos. Estava quase morto, cheio de cortes e queimaduras profundas, desnutrido e muito desidratado. Mesmo sendo um metamorfo de lobo e podendo se curar naturalmente mais rápido que os humanos, seus ferimentos eram tantos e tão profundos que seu lobo não conseguia se curar sozinho. Eu senti algo muito forte assim que bati os meus olhos naquele jovem macho, não aguentei vê-lo morrendo e não fazer nada para salvá-lo. 

Voltei à minha forma humana, algo que evito fazer na frente das pessoas e me aproximei do filhote encolhido no recanto daquele porão sujo e fedorento. Rasguei o meu pulso e o aproximei do seu rosto para que ele bebesse do meu sangue. No começo ele se recusou, mas eu insisti até que ele bebesse. Por alguma razão desconhecida para mim, o meu sangue possui poder curativo. E desde então eu consigo sentir todas as suas emoções, além de conseguir me comunicar com ele a milhas de distância.

“— Ainda dá tempo de desistir, se quiser”. — Falo, esperançosa. “— Eu vou entender!”

“— Não, Yellena!” — Nega, teimoso como sempre. “— Eu já disse que não vou te deixar sozinha nisto. Não adianta insistir!”

“— Tudo bem, tudo bem, lobo teimoso!” — Aceito, relutante. “— Sabe o que fazer, não sabe?”

“— Sei sim, Yelle, não se preocupe!” — Responde.

“— Ok então”. — Inspiro o ar novamente, confirmando que tudo ainda está limpo. “— Ao meu comando!”

“— Ok!”

O ar frio da noite resvala na minha farta pelagem branca, me causando pequenos arrepios. Eu estou bastante preocupada com o que pode acontecer ali, não por mim, pois eu não tenho nada a perder caso algo me aconteça; Mas Aiden sim. O jovem macho ainda tem muito o que aprender, amores para viver, amizades para fazer, obstáculos para vencer… E eu jamais me perdoarei se algo acontecer com ele. 

A estranha marca em formato de meia lua que eu tenho no pulso esquerdo começa a formigar como se abelhas estivessem me picando e eu sei que aquilo era um aviso. Algo dentro de mim me diz que este resgate não será como os outros que já fiz, que aquela noite não terminará como as raras noites tranquilas que já tive; e eu só rogo a Deusa que nos proteja do que quer que venha a acontecer ali, principalmente ao meu filhote adotivo.

“— Aiden!” — Chamo.

“— Sim?”

“— Tome cuidado, lobinho!” — Peço, muito preocupada com o que pode acontecer com ele se algo der errado.

“— Você também, Yelle”. — Pede. “— E, Yellena... ”

“— Sim?”

“— Eu te amo! Muito obrigada por me salvar!”

“— Também te amo, lobinho!” — Declaro, sincera. 

É estranho dizer essas palavras em voz alta, mesmo que essa voz só ressoe em nossas mentes, ainda assim continua sendo estranho ao serem proferidas por uma pessoa como eu… Alguém que nunca soube o que era amor.

Sacudo o meu focinho para dispersar aquelas lembranças ruins, não era hora para distrações. Eu tenho que me concentrar e ficar sob total alerta, muitos filhotes e crianças dependem de mim para sobreviverem e eu não posso falhar com elas.

Conto até três e Aiden começa a uivar para a lua e correr em disparada, isso chama a atenção dos guardas que vão atrás dele. Aiden corre para a floresta, onde deixamos alguns “”presentinhos“” para os seus perseguidores. Agora só sobrou alguns poucos guardas. Me aproximo sorrateira e silenciosa, sempre farejando o ar para não ser pega de surpresa.

O imóvel é relativamente grande e parece velho, cheira a mofo, sujeira e sangue. Eu me esgueiro pelas paredes e já estou bem perto da porta daquele muquifo. Dois guardas humanos guardam as portas e estão bem armados. Os uivos de Aiden se fazem mais altos e assustam os paspalhos, o que me propicia a brecha perfeita para atacá-los.

— O q-quê...  — Pulo nas costas do idiota que está mais perto da minha loba, deixando-o desacordado com o impacto. Me viro para o outro idiota que agora aponta uma arma para a minha loba, ele treme descontroladamente e fede a medo e urina. Mostro as minhas presas em um sorriso de loba má e o inferno se instaura no lugar.

Desarmo o infeliz e o mato antes que ele consiga me atingir com os tiros. Entro no galpão e mais guardas aparecem, sou atingida por algumas balas e dardos tranquilizantes, mas desvio da maioria e consigo matar os meus atacantes. Ando por alguns corredores imundos e cheios de lixo, o cheiro dos filhotes fica cada vez mais forte a medida que desço e sei que estou perto, muito perto de libertá-los daquele maldito lugar.

Eu estou quase chegando ao subsolo, de onde vem o cheiro dos lobos e de algumas crianças humanas, mas algo me faz parar.

Merda… 

Farejo o ar novamente só para ter certeza e confirmo as minhas suspeitas. 

Malditos heartless!

A coisa é pior do que eu poderia imaginar… Os heartless são lobos que venderam suas almas para Learth, um dos primários lobisomens da terra. Cruel, selvagem e sanguinário. Learth foi banido da terra à séculos pela própria sacerdotisa da deusa após uma guerra que quase dizimou a raça lupina e revelou a nossa existência para os humanos, como ele conseguiu voltar? Pior! Como conseguiu restituir o seu poder e criar o seu próprio exército de heartless lunáticos?

Essa descoberta me deixa um pouco desnorteada e de guarda baixa e não me dou conta dos lobos deformados atrás de mim, até que sou lançada com violência na parede por um deles.

— Ora ora, o que temos aqui, Phil? — A voz distorcida de um heartless ressoa no muquifo que estávamos. — Senão é a loba branca que vem nos causando problemas ultimamente…

Me ergo sobre as minhas patas e olho para a besta semi-transformada à minha frente. Ele está sendo protegido por três bestas completamente transformadas e que parecem loucas para me comer no jantar.

Mas eu não sou uma loba qualquer… Eu sou uma guerreira! Mais que uma guerreira… Eu sou a lendária e temida Belyy Volk e como tal, lutarei contra aqueles monstros até a morte.

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