Yellena Zieliński
Ando até uma janela mais à frente e que dá vista para uma vasta floresta. O ar fresco de fim de tarde e a paisagem linda do pôr do sol no horizonte me trazendo uma sensação boa de calmaria, paz e tranquilidade. Tiro forças não sei bem de onde e continuo a minha narrativa.
— Ele começou a nos assediar. Entrava em nosso quarto quando estávamos dormindo, invadia o banheiro quando uma de nós duas estava tomando banho... — Sinto um calafrio subir pela minha coluna e os pelos da nuca se arrepiando com a lembrança. — O maldito se masturbava na nossa frente sem o menor pudor.
— Filho da puta desgraçado! — Dustin se levanta da cama e começa a andar de um lado para o outro, parecendo um leão enjaulado. — Nós duas vivíamos um inferno, Dustin. — Me viro para olhá-lo e vejo a fúria borbulhando por todos os seus poros. — Emillena e eu temíamos o dia em que ele chegaria e simplesmente nos estupraria sem o menor remorso.
— Yellena… — Ele começa a vir em minha direção, mas eu ergo a mão, pedindo silenciosamente que ele fique onde está. — Não precisa me contar mais…
— Preciso sim, Dustin. — O interrompo. — Agora sou eu quem precisa que você saiba de tudo.
Ele rosna, frustrado, mas permanece parado a poucos passos de mim. Me encolho num canto, sentindo-me um pouco intimidada pela sua postura rígida e tensa. Dustin relaxa a postura ao perceber a minha reação e me dá um pouco de espaço. Ergo-me em minha postura firme e continuo:
— Começamos a planejar uma forma de fugir daquele maldito lugar, mas tínhamos que esperar até o dia da nossa transformação.— Tomo um fôlego e ando até a cama, voltando a me sentar. — Boris andava dizendo que quando nós duas fizéssemos a transição completa entre a forma humana para a forma de loba, ele nos faria dele e que pelo menos uma de nós duas lhe daria o seu tão precioso primogênito macho.
— Verme nojento! — Ele exclama, furioso. — Vocês eram filhas dele. Sangue do mesmo sangue… Como ele sequer conseguia pensar nisso, porra?
— Os laços consanguíneos nunca foram importantes para Boris Volk, o que importava para ele era só ter o seu herdeiro macho e nós seríamos as incubadoras ambulantes. — Digo, com asco na voz. — Mas nós tínhamos uma carta na manga e a usamos para escapar de Boris sem deixar rastro.
— E que carta foi essa? — Indaga Dustin, novamente se sentando ao meu lado na cama.
— Nossa mãe, Valeska Zieliński, não era uma simples beta como todos pensavam. Na verdade ela era uma mestiça, ou híbrida, chame como quiser. Uma loba feiticeira e Boris nunca soube disso, pois ela escondeu muito bem os seus poderes. — Explico. — Nós só descobrimos porque os poderes dela se manifestaram em Emillena poucos meses antes da nossa transformação. Emillena teve pouco tempo para aprender a controlá-los, mas graças a Deusa Lunar a minha gêmea conseguiu. O grande dia chegou, nosso aniversário de 16 anos e o dia da nossa primeira transformação completa. Boris era só sorrisos aquele dia, ele só faltou colocar um outdoor na frente da nossa cabana com os seguintes dizeres:
“Esta noite eu irei foder as minhas filhas e as farei minhas fêmeas!”
Dustin faz uma careta com as minhas últimas palavras e eu me pergunto o que se passa em sua mente com tudo o que eu já contei até agora. E olha que é só a metade do conto de fadas e eu ainda estou resumindo a história.
— Mas a sua felicidade foi por água abaixo quando ele se viu diante de duas lobas exóticas. Uma totalmente branca e de olhos azuis e outra colorida de olhos verdes. — Um sorriso divertido se instala em meu rosto com a lembrança da sua expressão horrorizada ao nos olhar. — O temido Alfa de uma das alcateias mais perigosas da Rússia surtou, ficou gritando e nos chamando de aberrações, monstros, amaldiçoadas e por aí vai… — Dou risada ao me lembrar da cena. — Todos da alcateia começaram a correr para todos os lados, uns confusos com o surto do alfa, outros assustados com as nossas lobas. Aproveitamos o caos para fugirmos de uma vez por todas dali. Emillena voltou a sua forma humana e fez um feitiço que nos teletransportou para bem longe da Rússia. Por seis anos nós duas vagamos livres e felizes pelo mundo, até ele nos encontrar de novo.
Abraço o meu corpo como se assim eu pudesse me proteger daquela parte da história. Meu corpo treme com as imagens… Os gritos… O sangue… Puxo o ar com força e conto de zero a dez, tentando não surtar como sempre acontece quando essa parte nebulosa vem à minha mente.
— Eu tinha ido ao mercado comprar comida para nós e quando voltei encontrei a casa rodeada de lobos da minha antiga alcateia. Eles me cercaram e me amarraram a uma árvore. — Olho uma última vez para Dustin antes de ver o nojo e desprezo que com certeza virá quando eu terminar de falar. — Um tempo depois, Boris apareceu com Emillena toda machucada, seminua e também amarrada, logo atrás veio Kayla, uma jovem humana a quem eu e Emillena ajudamos quando ela estava sendo agredida pelo ex-namorado, também amarrada e chorando muito. E por último apareceu Vlalerie, uma das amantes de Boris e também a bruxa responsável por manter a existência e localização da nossa alcateia oculta e manter a segurança do alfa. Boris rasgou as minhas roupas e me bateu até eu ficar igual a minha gêmea idêntica.
Dustin range os dentes e respira de forma ruidosa,visivelmente incomodado pelo rumo que a história está tomando. Tudo isso é demais para mim, mas eu tenho que ser forte e contar tudo, só assim ele entenderá.
— Depois da suas boas vindas, meu querido papai ordenou a bruxa que fizesse o que apelidei carinhosamente de “maldição”. — Continuo a narrar. — Ela cortou as palmas de nossas mãos e misturou os nosso sangue, conjurando em voz alta:
“pelo sangue e com o sangue, eu vos ligo como companheiros até a última gota de sangue de suas vidas”
— Vlalerie pegou a taça posicionada embaixo de nossas mãos cortadas e entregou para Boris, que bebeu o cálice com o nosso sangue misturado e desde então estamos ligados a ele. — Abaixo a minha cabeça, as lágrimas escorrendo sem controle pelo meu rosto. — E é por isso que nós dois não podemos ser companheiros.