Capítulo 9 [Parte 1]

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Aviso: Esta obra contém/menciona comportamentos tóxicos, quadro depressivo, familiares abusivos e tentativa de homicídio. Este capítulo contém cenas de teor sexual.

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Depois que Ivan partiu, Morena se acomodou na cama, encolhida com as pernas contra o peito, perguntando-se onde havia errado. Sempre ficava angustiada quando Ivan se fechava daquele jeito, visivelmente se afastando, fingindo um semblante de normalidade. Era como se ele afundasse qualquer sentimento desagradável que sentia assim que ousava aparecer, evitando entrar em contato com aquilo que o incomodava. Tão certo quanto o movimento das marés, todas as conversas mais espinhosas que os dois travavam terminavam da mesma forma: Ivan se afastava, saía para fumar um cigarro e voltava como se nada tivesse acontecido.

O assunto, morto e enterrado.

Na maioria das vezes, eram questões pequenas, resultados das paranoias que Morena não conseguia controlar. Se fosse um problema real, algo que incomodasse profundamente, gostava de pensar que Ivan conversaria com ela de verdade. Ele já o fizera antes em poucas ocasiões, e as coisas foram resolvidas até que facilmente. Então Morena engolia seus sentimentos e seguia em frente, convencendo-se de que estava tudo bem. No passado, ela desabafaria com Aleksey, o mero ato de falar em voz alta o que a atormentava, o suficiente para aliviar seu peito e as ponderações de Aleksey, o suficiente para acalmá-la.

Agora, não sabia exatamente o que fazer. Atravessar o curto caminho que separava a cabana dos dois não parecia certo, mesmo depois da conversa no baile. E o que diria, se fosse até lá? Bateria na porta, falaria que havia se desentendido com Ivan porque ela estava com medo de afastarem Aleksey novamente — ou, pior, de o prenderem contra sua vontade —, e o marido entendera que ela não se sentia amada. Que ela não acreditava no amor que ele expressava. Que achava que ele estava com ela por obrigação.

Morena afundou o rosto nos joelhos, sem saber como conseguira a façanha de fazê-lo entender o oposto do que ela falara. Ivan saíra da cabana achando que ela não confiava nele, que não acreditava em todas as vezes que dizia que a amava e todas as vezes que demonstrava seu amor. Que ela não conseguia ver o tamanho da sua afeição toda vez que ele a ajudava a se vestir ou que a consolava, todas as vezes que ele a beijava e insistia que precisava cuidar dela. Morena reconhecia aqueles atos, conseguia ver tudo isso, conseguia sentir muito bem. Era inegável o quanto ele a amava.

Só que talvez fosse esse o problema, afinal. Ivan fazia parecer que somente ela era o bastante e que não precisava de mais ninguém; nem de amigos, nem da família. O peso da responsabilidade de garantir que Ivan nunca se sentisse sozinho era como uma corda no pescoço de Morena, um passo em falso e acabaria enforcada. Não tinha certeza se conseguia ser a mulher que ele amava o tempo inteiro, correspondendo a todas as expectativas que ele criava quanto a quem ela era. Talvez nunca conseguisse suprir todas as necessidades do marido, por mais que se esforçasse, e, se fosse completamente sincera consigo mesma, não queria se propor a esse papel. Lembrava de forma palpável do alívio que sentira, tantos anos antes, quando Ivan finalmente lhe dissera que se sentia atraído por Aleksey, algo tão inexplicável que ela ficara meses com medo de que sentir aquele sentimento era prova de que ela não o amava de verdade, a culpa a consumindo mais uma vez por não retribuir em igual moeda.

No entanto, sabia que amava Ivan o suficiente para se preocupar com as consequências de guardar tanto para si, do peso de tudo que não falava, de tudo que ele talvez nem soubesse que sentia porque não se permitia pensar muito tempo nos assuntos ou depender de outras pessoas — mesmo a outra pessoa sendo sua esposa, com quem prometera compartilhar sua vida. Eles conversavam sobre quase tudo, mas Ivan parecia só ter uma gama de sentimentos pré-definidos que considerava aceitável. Nesse aspecto, ele era idêntico à mãe, que sempre parecia no controle, que nunca permitia que vissem nada que fosse remotamente parecido com tristeza ou desânimo. Durante os meses longe de Aleksey, Ivan parecera sentir raiva e frustração, mas em nenhum momento pareceu triste, e Morena sabia que era impossível que não estivesse compartilhando do mesmo desconsolo. Não havia como perder a única outra pessoa com a qual Ivan se permitia ser ele mesmo sem ficar triste. Ela havia chorado tantas vezes — às vezes por motivos bobos como reparar que estava tomando o chá favorito de Aleksey —, mas ele sempre agia como se estivesse tudo bem, o único indício de que havia algo acontecendo em seu coração eram os curtos momentos em que ele abaixava a guarda sem perceber, os milésimos de segundos antes de recuperar o controle das suas emoções.

Estudo sobre Amor e outros venenos letaisOnde histórias criam vida. Descubra agora