Aviso: Esta obra contém/menciona comportamentos tóxicos, quadro depressivo, familiares abusivos e tentativa de homicídio.
--
Ivan caminhou frustrado pela extensão de areia da praia, a culpa subindo pela garganta. Repassava a discussão boba com Aleksey e o que dissera sem parar, cada palavra parecendo pior. Não queria ter dito que Aleksey estava fazendo merda por bobagem, só havia se irritado. Aleksey se aproximara naquela manhã como se nada tivesse acontecido, como se, depois de se afastar deliberadamente — depois de Morena quase chorar em público repetidas vezes —, ainda tivesse o direito de se sentar ao lado de Ivan e fazer piada sobre quando o ensinara a dançar. Era pior ainda Aleksey agir como se nada daquilo tivesse importância, como se um dos momentos mais íntimos de Ivan fosse um fardo para ele.
Ivan poderia levar na brincadeira em um dia normal, mas depois de ter passado o dia anterior tentando consolar Morena e de ter bebido o tanto que bebera, não conseguira segurar a boca.
Não deveria ter bebido. Odiava aquela sensação de não ter pleno controle dos sentimentos e ações, detestava não conseguir segurar as vozes impulsivas que sempre sugeriam coisas que ele não queria fazer, mesmo ciente de que tudo que diziam era mentira, e que insistiam em se camuflar em seu fluxo de pensamento o tempo inteiro, intrusas. De verdade, ele não achava que Aleksey se afastara deles a troco de nada. Entendia racionalmente que era só a única forma que Aleksey encontrara de ter alguma sensação de controle, uma forma de expiar a culpa que sentira por fazer Morena ficar triste, sem perceber que, no processo, deixava-a ainda mais triste. Era só... uma decisão pavorosa.
Só que conseguir entender o lado de Aleksey durante os últimos meses não significava ser capaz de passar por cima do pedaço de si que se sentia machucado. Aleksey nunca o considerava em nenhuma ocasião. Ivan se lembrava como se fosse ontem o desprezo de Aleksey no dia da prova de titulação de Alquimista Extraordinária em que Morena se graduou, quando ele escolheu ir consolá-lo em vez de ir comemorar com a esposa. A simples ideia de que ele pudesse estar sozinho em algum canto daquela fortaleza, triste e vulnerável, um alvo fácil para o tio, deixara Ivan aterrorizado, mas parecia que Aleksey sequer notara a intenção dele. Ainda por cima, ele recusara categoricamente o pedido que Ivan fizera naquela noite — de que ele permitisse ser cuidado, de que confiasse que Morena e Ivan poderiam protegê-lo. Ivan fizera aquele pedido com o coração aberto, e Aleksey não só recusara, como se afastara para sempre.
O comentário sobre a dança no casamento de Ivan com Morena só deixava mais evidente que talvez Aleksey não visse nada da amizade dos dois como algo relevante, talvez não tivesse nem um terço do carinho que Ivan tinha por aqueles meses em que se encontravam às escondidas, guardando segredo de Morena para que pudessem fazer surpresa na data, quando Aleksey o guiara e o ensinara a dançar. Talvez Ivan fosse completamente irrelevante na vida de Aleksey, e sentia uma dor no peito que não conseguia explicar todas as vezes que considerava aquele fato.
Porque Ivan podia até não lembrar a quantidade de vezes que pisara no pé de Aleksey, mas se lembrava exatamente da sensação de ter os braços dele envolvendo sua cintura enquanto tentavam encontrar algum ritmo na dança. Lembrava das risadas e do perfume de Aleksey, do olhar travesso todas as vezes que o desafiava, dos toques quentes que se demoravam cada vez mais. Mais do que isso, se recordava do dia exato em que percebera que ele se sentia atraído por Aleksey de alguma maneira.
Ele sempre achara inexplicável como Aleksey e Morena eram capazes de conversar sobre quais pessoas achavam bonitas e ponderar sobre quem beijaria bem, como Aleksey conseguia transar com alguém que conhecera na mesma noite, como o olhar da esposa às vezes se demorava demais em desconhecidos, com uma fração do desejo que ela demonstrava quando olhava para ele. Não conseguia compreender como é que conseguiam se interessar por alguém daquela forma, às vezes bastando um olhar. Para Ivan, as pessoas eram só... pessoas, algumas bonitas, outras inteligentes, algumas as duas coisas, mas nenhuma despertava algo parecido com o que ele sentia por Morena. Era como se fossem esculturas em uma galeria de arte e Ivan soubesse apreciar o que era belo e o que era interessante, mas sem o desejo de lamber uma delas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Estudo sobre Amor e outros venenos letais
RomanceAutora: Isabelle Morais Continuação de "Tratado sobre Tempestades e outros fenômenos extraordinários". Quando tomou a decisão de se afastar de Morena e Ivan, Aleksey não esperava que seria tão difícil. Apesar de fazer de tudo para manter a distância...