6º capítulo

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Março 2023


Quem diria que naquele dia do trabalho, eu faria uma previsão do futuro e que ele teria uma bela lição quando adulto de verdade. Porque depois de tudo que ele tiver que passar, ele não aprender nada, já não vai ter mais salvação alguma…
Se é que tem.
Ao chegar na empresa, dei de cara com o Luiz de novo. Às vezes tenho a sensação que ele fica me esperando…
— Vai mesmo seguir com isso?
— Bom dia, Luiz.
— Bom dia.
— Olha, eu já aceitei e não vou mudar de ideia. Já estamos indo.
— E se você se arrepender? Se ele fizer algo contra você? Te machucar?
— Calma, Luiz! Respira! Não vai acontecer nada. Ele vai ser vigiado por outras pessoas também.
— Ah vai?
— Foi o que o senhor Luciano disse. — Dei de ombros.
Não sei porquê, mas não estou preocupada com isso. Só quero chegar lá e ver esse miserável colocar "a mão na massa". Trabalhar como nunca fez em toda a sua vida.
Vai ser bom demais, gente! Estou muito empolgada!
— Se você diz.
— Em breve a gente se vê de novo. — Dei um tapinha em seu ombro e segui meu caminho.
Quando entrei na sala do senhor Luciano, o Davi já estava lá. A cara de mau humor só me animou ainda mais!
— Bom dia.
— Bom dia, Laura. Está com tudo pronto?
— Claro. Já podemos ir?
— Vou acompanhar vocês até o carro.
Ele foi na frente e eu esperei o Davi passar para poder ir. Notei que andava se arrastando. Acho que eu também ficaria assim por saber que teria que trabalhar depois de passar a vida toda sem saber o que é isso.
Entramos no carro. Davi atrás e eu na frente com o Mauro, que dirigia.
O rádio tocava e nenhum de nós falou nada durante a viagem. O Mauro tinha me avisado que teríamos que dormir em um hotel no caminho, pois era bem distante o tal orfanato, mas quando paramos, percebi que ele não tinha avisado isso ao Davi.
— Mas que espelunca é essa?
Percebi o Mauro revirar os olhos e segurei para não rir. Realmente tem que ser quase um santo para aturar as manhas desse cara.
— Se está achando ruim, pode dormir no carro.
Davi o encarou da mesma forma que fazia na escola. Será possível que ele não mudou nada? Isso no jeito de ser, é claro…
Sempre que queria rebaixar alguém ou mostrar sua "superioridade", ele encarava desse jeito. O mais incrível é que funcionava sempre. Mas comigo nunca funcionou e não vai ser hoje que vai começar a funcionar. E pelo visto também não funciona com o Mauro.
Isso que é prêmio!
— Talvez ele goste de dormir na mala. Parece mesmo com uma — falei olhando o Mauro e ele riu.
— Só se for uma sem alça, não é mesmo?
Rimos animados e percebi que a piada enfureceu o Davi.
— Eu estou ouvindo vocês!
— Ainda bem, assim não preciso repetir. Faça sua escolha.
Vi que ele tinha os punhos fechados com muita força e encarava o Mauro com bastante raiva.
— Vamos entrar — falou por entre os dentes.
Soltei uma risada e fui na frente. O hotel era bem simples e por isso o babaca estava reclamando. Está acostumado a hotel cinco estrelas e com toda regalia. Só que isso acabou! E faz parte da minha felicidade ver essa cara de menino mimado e contrariado.
— Dois quartos, por favor.
— Como assim dois? Somos três — Davi falou de um jeito indignado.
— Não que eu goste, mas infelizmente vamos ficar no mesmo quarto — Mauro respondeu.
— Eu não vou dormir no mesmo quarto que você!
— Com ela é que você não vai. — Davi me olhou e eu levantei uma sobrancelha. — Mas o carro ainda está disponível se quiser.
Escutei ele xingar e sorri.
Por fim ele ficou quieto, mas a expressão dizia o quanto estava odiando ter que dormir no mesmo quarto que o Mauro. Não sei porquê ele está fazendo isso, mas estou gostando!
O quarto que eles ficaram era em frente ao meu. E eram bem simples. O deles tinha duas camas de solteiro e o meu, uma só. Era bem pequeno e não tinha nem televisão. Mas pelo cansaço que eu estou, nem ia assistir se tivesse, então nem liguei.
Dormi com a imagem da cara de ódio do Davi guardada na mente e o sono foi maravilhoso.
No dia seguinte, acordei cheia de disposição. Além da alegria de ver o Davi se ferrando, também estou curiosa para conhecer as crianças do orfanato. Eu adoro crianças e por isso também fiquei empolgada. Espero que elas sejam bem tratadas. Tem tanto orfanato por aí que as crianças ficam largadas…
Encontrei os dois em frente ao carro. Mauro parecia já sem paciência a essa hora da manhã e nem preciso de muito para entendê-lo.
Qualquer um perde a compostura perto do Davi.
— Bom dia — falei ao me aproximar.
— Bom dia, Laura. Podemos seguir? — Mauro falou.
— Claro.
— Vamos achar um lugar para comer. Tem gente que tem um humor do cão de manhã — falou irônico e o Davi lançou um olhar de fúria a ele.
— Faço ideia. Melhor ir logo, ou vamos virar a refeição — ironizei.
Mauro riu alto e o Davi xingou sem rodeios.
— Vamos — Mauro falou ainda rindo.
Paramos no primeiro boteco que vimos e foi muito interessante a decisão de fazer isso. Estávamos em completo silêncio dentro do carro e então o local foi avistado. Eu e o Mauro trocamos olhares e sorrimos juntos. Era um verdadeiro complô contra o Davi.
— Vocês não estão falando sério! — reclamou quando descemos do carro.
— Você pode ficar com fome se preferir — Mauro falou calmo.
Melhor remédio para humor cedo assim é ver a cara de irritação do Davi.
Eu sabia que ia amar esse trabalho!
— É claro que não quero ficar com fome! Mas aqui não parece um local bom.
— Só porque provavelmente não tem as coisas que você come na realeza? — Mauro debochou.
— Não! — respondeu irritado. — Só porque não parece ter higiene!
— Que mania feia que as pessoas têm de julgar sem saber — falei e ele me encarou furioso. — É o que temos. Se não comermos aqui, só vamos comer quando chegar no orfanato e está longe.
— A escolha é sua.
Davi olhou para Mauro e depois me olhou. Estava bem irritado e eu doida para rir. Nem sei se o que eu disse é verdade. Não sei o caminho até o orfanato. Só o Mauro, mas ele não contrariou o que eu disse, claro, queria irritar o Davi também.
Entramos no local e realmente a aparência não era das melhores, mas dava para ver a cozinha e a moça lá dentro limpava tudo sim. O que faltava era limpeza no ambiente em si, pois a cozinha estava limpa.
Pedi um misto quente e café com leite. Acordei com fome e talvez seja indício de alguma ansiedade. Só não sei exatamente o motivo dela, pois estou bem animada com esse trabalho.
— Mas só tem esse tipo de comida? — Davi perguntou ao ver o cardápio.
— Queria o que? Caviar? — debochei e por um segundo achei que passou pela cabeça dele me dar um murro na cara.
— Vocês são dois miseráveis!
— Como é que é? — Mauro falou grosso e até eu me assustei.
Davi ficou quieto encarando ele. A tensão era quase palpável, mas graças a Deus isso passou quando a moça trouxe meu café da manhã e do Mauro. Já tínhamos pedido enquanto o Davi reclamava.
— Melhor pedir logo — avisei e comecei a comer meu misto quente.
Ele estava muito bravo, mas pediu o mesmo que eu. Apenas o café que pediu puro.
Já vi que esses dois juntos em algum momento pode dar uma grande merda…
Só espero que quando dê, eu não esteja do lado. Que eles se matem sozinhos.
Apesar de que não ache que o Mauro vá ficar no orfanato também. Acho que ele só vai nos levar até lá e depois voltar.
Espero que seja isso. Para o bem das crianças daquele lugar.

DEGUSTAÇÃO - Cuidando de um CEOOnde histórias criam vida. Descubra agora