— O que você tem aí? — cochicho quando me inclino para ver o que Caio está fazendo. Ele está indo para a escola normalmente faz três dias, e todos parecem de bom humor. Pedro como sempre dispara coisas engraçadas para todo mundo, e alguns não sabem o que fazer com piadas ridículas do garoto. Mas eu sei que meu amigo faz isso para que todos se sintam melhor. É dessa forma que ele ajuda. Meus olhos se encontram com os olhos de Caio naquela manhã, eu e ele temos um segredo agora, assim como eu e Pedro também temos um. Acho engraçado. Eu e os garotos temos segredos um com os outros, coisa que nunca pensei antes em ter.
Ele estende o papel com nomes, e alguns são nomes diferentes. Franzo meu cenho. Aquilo parece mais uma lista interminável, mas foi quando vejo que há nomes de remédios, suprimentos e nomes de ruas.
— O que é isso? — pergunto ao franzir o cenho.
Já faz três dias desde que Caio e eu roubamos o Setor 15, e ninguém ousou dizer nada. Talvez tenhamos passado despercebido, realmente, então tudo está perfeito. Até agora.
— Vamos roubar novamente! — cochicha Caio.
Me afasto dele e arregalo os olhos.
— Não, não vamos! — disparo num sussurro que só eu e ele podemos ouvir.
O garoto revira os olhos e começa a escrever ainda mais, mas eu sei que não são coisas para ele, e sim para outras pessoas. Ele está fazendo uma lista de suprimentos que outras pessoas precisam, e isso não iria dar certo.
— Para quantas pessoas você disse sobre isso?
— Nada que não seja suficiente para nós! — comenta, e então ouço a voz dele novamente em meus pensamentos. Você precisa confiar em mim.
E foi assim que aceitei mais uma vez roubar, e confiei no garoto, mesmo algo dentro de mim dizendo-me para não fazer isso. No entanto, aquela noite começa diferente. Estou na frente da geladeira da minha casa, esperando algum pensamento sobre a comida, meus olhos vasculham cada centímetro, e nada. É então que sinto o cheiro de massa de pizza. Minha boca se enche de água, posso sentir o céu da minha boca ficar elevado de tanta fome. Tenho um roubo para planejar e espero que, dessa vez, eu possa comer perfeitamente.
— Está com fome? — pergunta Soraia ao atirar um olhar doce para mim. Balanço minha cabeça, e então a vejo soltando uma caixa de pizza à minha frente. — Seu pai ficou totalmente de bom humor e acabou levando sua mãe para jantar, então pensei em você... — solta, apontando para a caixa quadrada à nossa frente.
Pensei em você... Eu queria tanto que ela pensasse em mim de outra forma, mas sei que é pedir demais. No entanto, isso não me abala. Estou com fome e preciso comer. E então, lá estou eu atacando a comida que Soraia trouxe.
Uma conversa engraçada começa a surgir, dou tanta risada que sinto as maçãs do meu rosto enrijecidas e uma dor na boca do estômago se espalha. Sinto seus olhos percorrendo meu rosto com certa cautela de detalhes, parece estar tentando me decifrar com apenas um toque de seus olhos sobre os meus. Soraia também está com as bochechas vermelhas por estar dando gargalhadas intensas, e ao vê-la assim, bate uma vontade imensa de estender minhas mãos e tocar em cada partezinha de seu rosto anguloso e perfeito.
Será que eu posso tocar nelas?
A garota está ao meu lado, então não teria tanta dificuldade assim em tocá-la. Simplesmente estender as mãos e sentir sua pele tocar a minha, e, assim, tudo estaria perfeito. Pondero por alguns minutos. E se ela se afastar de mim e não me querer? Estremeço ao mesmo tempo que tento puxar o ar para meus pulmões. É quando sinto uma energia diferente surgir dentro de mim, e me inclino para retirar uma mecha de cabelo preto que serpenteia sobre seu rosto. Seus olhos azuis cristalinos se encontram com os meus, e a onda energética bate sobre meu rosto com violência. Posso estar sonhando, mas juro estar vendo aqueles olhos azuis brilharem ainda mais com meu gesto inesperado.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A COLÔNIA (A aliança de sangue)
FantasiaEm um local moribundo, onde as mentes se perdem, deixando marcas espalhadas pelo sofrimento, uma jovem chamada Heloísa, fora abandonada ainda recém-nascida, permanecendo no lugar, por quatro anos. O tempo acerta, a jovem cresce e mesmo longe do loca...