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𝚃𝚞𝚕𝚘𝚞 𝚃𝚊𝚐𝚊𝚕𝚘𝚊 - 𝙾𝚕𝚒𝚟𝚒𝚊 𝙵𝚘𝚊'𝚒

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   𝘼 𝙟𝙤𝙫𝙚𝙢 𝙢𝙪𝙡𝙝𝙚𝙧 𝙜𝙧𝙞𝙩𝙖𝙫𝙖, 𝙙𝙚𝙨𝙚𝙨𝙥𝙚𝙧𝙖𝙙𝙖 𝙘𝙤𝙢 𝙖𝙨 𝙛𝙤𝙧𝙩𝙚𝙨 𝙙𝙤𝙧𝙚𝙨 𝙦𝙪𝙚 𝙨𝙚𝙣𝙩𝙞𝙖, 𝙨𝙚𝙪𝙨 𝙗𝙚𝙧𝙧𝙤𝙨 𝙚 𝙜𝙧𝙞𝙩𝙤𝙨 𝙥𝙤𝙙𝙞𝙖𝙢 𝙨𝙚𝙧 𝙤𝙪𝙫𝙞𝙙𝙤𝙨 𝙖𝙩𝙚́ 𝙚𝙢 𝙄𝙧𝙖𝙮𝙩𝙤.
   A água que batia em seu corpo levava todo o sangue que saia de seu corpo junto das ondas em direção a Onaye. O calor de seu corpo a dando um choque térmico devido à temperatura gelada do mar naquela manhã.

   Não era seu primeiro parto, mas com certeza era o mais dolorido. O nascimento de Iwkawng a 2 anos atrás havia sido tranquilo, levou apenas 2 horas e com uma dor que podia suportar. Mas por Eywa, aquilo era diferente, a sensação estridente de dor passava por cada centímetro do corpo de Zalika, seus músculos já estavam enfraquecidos, não suportando mais as 4 horas seguidas de contrações. A Huga'xntha apenas desejava poder se retirar daquele lugar.

— Força! - Uma das mulheres do clã a incentivava. - Está quase lá!

   Seu marido ao seu lado segurava sua mão, os olhos do homem quase pulando para fora ao sentir o aperto com a maior força que Zalika poderia fazer. Naquela hora, qualquer coisa, pessoa ou objeto que pudesse descontar sua dor era bem-vinda.

   O suor escorrendo de sua testa enquanto os berros continuavam. Duas mulheres a seguravam para permanecer em pé e não acabar se afogando no mar quando suas forças acabassem, enquanto a outra mergulhava para checar como iá todo o processo.
   Um alívio a preenche de repente. A dor insuportável em meio suas pernas indo embora e apenas uma cólica ainda dolorida permanecendo, mas para quem havia praticamente ido ao inferno e voltado durante as últimas 4 horas, aquilo não incomodava.

   Suas pernas caíram, sendo segurada pelas duas ajudantes atrás de si, a mulher fechou os olhos para poder descansar um pouco enquanto fosse levada até a beira do mar novamente. Sentindo apenas seu corpo sendo carregado até a areia quente devido ao sol, lutando para controlar sua respiração e se acalmar.

— Oh Zalika… Eu sinto muito meu amor. - Seus olhos se abriram imediatamente ao ouvir a fala da mulher num tom de sofrimento e tristeza. Não importava a dor que sentia agora, queria seu filho ou filha, queria vê-lo.
   Mas a única coisa que se deparou ao olhar para frente quando se apoiou em seus cotovelos, foi o pequeno corpinho da criança mole e mais roxo do que deveria ser. Estava morta.

Morta.

Sua filha estava morta.

A pequenina não pode nem ao menos conhecer a beleza de seu mundo, havia morrido antes mesmo de nascer. Era o motivo pelo parto ter sido tão dolorido.
 
   Oh Eywa, por que havia feito aquilo com ela? Por que não a deixou conhecer o prazer de viver? Eram respostas que nunca iria conseguir.
   O choque em seu olhar havia se instalado, não conseguia nem ao menos se movimentar. Todas as palavras existentes haviam evaporado de seus lábios. Ela não teve a chance nem de sequer conhecer sua própria filha.

   Berros, eram tudo que podia ser ouvido. Gritos de desespero e a dor de perder um filho. As lágrimas desciam sem pausa de seu rosto enquanto pegava a pequena sem vida em seus braços.
   O corpinho que segurava era frio, diferente do seu que devido às horas de dor havia aumentado a temperatura. Os braços de Taeyoiä se entrelaçaram em volta de sua esposa, que apenas colocou sua cabeça contra o corpo do marido, continuando a chorar e soltar sons de sofrimento que nem sabia serem possíveis serem feitos.
   Ali uma vida se acabava sem nem ao menos começar.
   Ali a dor de uma mãe podia ser ouvida por toda Kalanuk.
   Ali um casal se acolhia para superar a morte de sua filha.

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   Algumas iluminações podiam ser vistas ao redor da caverna, a luz principal sendo a da própria lua que brilhava e iluminava acima da fenda sobre o teto. Um círculo com todos os habitantes da ilha havia sido formado ao redor da Árvore das Almas.
   Taeyoiä e Zalika, o Olo'eyktan e a Tsahik dos Huga'xntha levavam o corpo da criança sobre uma folha até o meio do lago, flores espalhadas por toda a água se faziam presentes.

   Um último beijo foi depositado na testa do corpo sem vida por seus pais. Delicadamente sendo retirado da grande folha e segurado por ambos na água.

"Tulou"

  A canção se iniciava, cantada pelo círculo ao redor.

"Tagaloa"

   Podiam ir. Era a hora de se despedirem de sua filha, a filha que não puderam conhecer.
   Calmamente mergulharam, levando o corpo da menina até o fundo, de onde Eywa a levaria consigo para sempre.
   Lágrimas escorriam do rosto de ambos, não podendo ser vistas devido à água ao redor de seus corpos. O corpo havia sido colocado no fundo, algumas algas douradas o puxando para baixo e levando a alma até Eywa.

   O casal acompanhou todo o processo, apenas indo até a superfície após a criança ser totalmente levada. A água saindo de suas orelhas e dando espaço para o final da música que já podia ser ouvida novamente.

"Mãnaia o le tãtou ōlaga"

   O tempo de silêncio era feito, todos se calando após o término da canção, fechando os olhos e apenas ouvindo o som da água.
   E folhas.

   Folhas? Não, não deveriam ser ouvidas folhas, o que era isso?
  
   Zalika abriu seus olhos, suas orelhas se mexendo tentando captar de onde vinha o barulho, não demorando a notar que estava atrás de si.
   Suas pupilas se dilataram e a face surpresa se fez presente na mulher. Algumas das grandes folhas se enrolavam uma nas outras, causando um grande nó na árvore.

   De repente todos prestavam atenção, admirados com o que acontecia a sua frente. A tensão e choque tomava conta de toda a caverna.
   As folhas começavam a se desenrolar enquanto iam em direção ao casal que naquele momento já começava a se virar em sua direção. Quase todas haviam voltado a sua posição, apenas 4 permanecendo na frente do par, segurando e entregando, agora, um corpo com vida. O corpo de sua filha viva, a mesma que havia sido entregue a Eywa a poucos minutos.

   O choro agora era de felicidade, a Tsahik não demorando para pegar sua filha das folhas que logo voltaram ao seu lugar. O sorriso era estampado no rosto de todos, mas principalmente no de Zalika e Taeyoiä. Sua filha iria viver, Eywa decidiu a dar vida novamente.

   Gritos animados e conversas alegres podiam ser ouvidas por todo o lugar, os habitantes do clã comemoravam o reviver da garota. Enquanto isso, o pai pegava delicadamente sua filha e a colocava em seus braços, logo a levantando e mostrando a todos ali presentes.

-Sa'tari! - Disse revelando o nome que havia sido decidido pelo casal ainda no começo da gestação.

-Sa'tari! - As vozes uníssonas foram pronunciadas por todos.

Forest Eyes - NeteyamOnde histórias criam vida. Descubra agora