1. Um Grupo Estranho nota Grupo Mais Estranho Ainda

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Nunca achei que qualquer coisa fosse acontecer naquela espelunca

Imagine um lugar tacanho, cheiro de cerveja incrustrado nas placas do chão, das paredes e, surpreendentemente, do teto; manchas de infiltração nos cantos, bolor nas frutas expostas no balcão e um taverneiro sorridente limpando um copo com cuspe. Num dia mais generoso, eu poderia dizer que havia um certo conforto vindo da lareira, junto do espaço reservado com poltronas e a mesinha de tabaco, mas, mesmo no mais generoso dos dias, eu não conseguiria negar que tirando aquela região, nada me deixava tão desconfortável quanto as velas do candelabro bambo falhando em iluminar o ambiente inteiro, tornando-o soturno como uma caverna. Nem o bandoleiro bêbado porém esforçado tocando "Amiga Vagabunda"  em cima das mesas conseguia me convencer de que aquele era um bom local para ficar. 

Infelizmente, eu precisava ampliar meus horizontes e conhecer pessoas novas fora do meu círculo social de luxo e requinte. Precisava ser um demônio do povo para que o povo confiasse em mim o suficiente para fazer um pacto numa rua escura com um dos meus padrinhos. Obviamente, a ideia não era minha. Minha autoestima jamais seria tão baixa e minha ânsia autodestrutiva ainda não chegara a tanto. Foi meu tio quem propôs, num dos jantares mais importantes da minha família, onde eu finalmente teria meu direito à herança e ao meu título resguardado. A ideia mais esdrúxula que já ouvi na vida. 

Certamente, eu não fazia a mínima ideia de como começar a "ampliar meus horizontes", então, só foi recomendado que eu fizesse sala em uma taverna qualquer para ser recrutado a um grupo com uma missão que mudaria minha vida. 

Aparentemente, assim que são as coisas: pessoas aleatórias conhecem pessoas mais aleatórias ainda para jornadas inacreditáveis e transformadoras. 

Sim, é claro que eu acreditava nisso. Com todas as forças que existiam em mim.

Olhando por cima do ombro, fitei o anão barbado com o bandolim. Segundo a introdução do taverneiro há minutos atrás, um anúncio que ecoou para as sete pessoas no recinto e apenas duas prestaram atenção, o sujeito chamava-se Barba. Cantava desafinado, errava dois acordes por barra, um verdadeiro espetáculo de bar. Um homem, trajes surrados e pele de ébano, adorava a performance, aplaudindo e cantando na mesma péssima qualidade. Para completar o circo, o aspirante a músico levava uma carcaça de javali consigo, sentada na cadeira como se esperasse por seu pedido. Além dos dois, haviam os três sentados próximos da lareira, numa conversa baixa de mexeriqueiro. Pelo porte elegante no local reservado, deduzi que fossem guardas ou qualquer outra autoridade do vilarejo. Para completar, um draconato azul com robe vermelho sentou ao meu lado e pediu uma cerveja. Não era aleatório o suficiente? Eu deveria conversar e solicitar uma missão? Meu tio tinha enlouquecido. 

O taverneiro serviu o draconato.

— Um dragão bebendo cerveja. Que porra é essa?!

Reparei que a tarefa com o cuspe continuou, com o senhor enfiando a caneca na axila para segurar o copo, já que só tinha um braço disponível para ajudá-lo. O coto livre dava a impressão de uma ferida antiga. 

 — Eu fui expulso do meu monastério, por isso estou aqui — o draconato respondeu, mas foi interrompido.

— Qual o nome do monastério?

— Monastério dos Dragões Azuis.

— Por isso você é azul, cara. Uau.  — sussurrou como se fosse um segredo.

A conversa revirou meus olhos.

— Exatamente. Agora que saí de lá, estou aproveitando a vida. Na verdade, é uma das minhas fraquezas. Estou bebendo bem mais do que devia. 

Relatos de Um Viajante ChifrudoOnde histórias criam vida. Descubra agora