2.4. Bebe & Bate

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Vi os olhares virando-se para o palco onde Barba estava. Percebi torcidas agitadas, gritos histéricos e até choros de amor, principalmente direcionadas ao gigantesco meio-orc com nome impronunciável. As apostas rolaram soltas, apostei duas moedas no brutamontes. Uma mesa longuíssima tomava todo o palco, correspondia a quanto estava em jogo — um barril para cada competidor, sete barris no total. A bebida parecia forte, os competidores, imbecis. A fórmula perfeita.

O que saltou aos meus olhos foi a presença de outro tiefling no meio das bebidas e dos bêbados no palco. Uma mulher, de pele vermelha e cabelos escuros, chifres mal polidos, cascos desidratados e, aparentemente, com menos bom senso que eu.

Para dar início aos jogos, uma fogueira acendeu num estouro e o grupo de saltimbancos, um degrau abaixo do palco, começou uma marchinha. 

As torneiras abriram. Os bebuns começaram.

Balasar conteve um riso ao ver Swarschnegger virando três canecas de uma vez, largando à frente. Barba tentou compensar enfiando a boca na torneira. Quando não conseguiu sorver o bastante, esmurrou o bocal e entornou o que vazou do rompimento na garganta. O barril terminou num piscar de olhos, mas o meio-orc acabava de começar o seu segundo.

O anão subiu em cima da mesa ao mesmo tempo que dois competidores foram derrubados pelo álcool. A tiefling manteve-se, a mais resistente fora os dois desafiantes mais cotados. Do meu lado, as apostas tentaram mudar, tarde demais. Barba passou Swarschnegger pela primeira vez, virando o segundo barril de uma vez e pedindo o terceiro para os organizadores. Novamente, quebrou o bucal e virou a bebida sobre si. Àquele ponto, a mesa, o palco e as pessoas eram um melado de cevada e malte. Um terceiro competidor caiu, faltavam quatro. Swarschnegger também subiu na mesa, lado a lado de Barba. Antes da tiefling cair, o quarto competidor desmaiou, plenamente incapacitado.

O anão e o meio orc digladiaram-se no terceiro barril. Swarschnegger parecia estufado, Barba segurava firme apesar do umbigo prestes a estourar. Por um curto momento, torci por Barba, e talvez por isso, logo em seguida, o barril pesou para trás, derrubando o anão nas cadeiras atrás dele. Meus cascos sempre foram frios.

— Porra, Barba — ouvi atrás de mim quando o meio-orc foi ovacionado pela plateia.

Quem cochichara era um humano meio pálido, com cara de assustado e rosto oculto num capuz. Por um momento, achei que fosse Shady, aquele que trocou ideias — e um quase flerte — comigo, mas reconheci o nariz quebrado no disfarce ilusório.

— Sou eu, Gordon — o sujeito confirmou. — El-Minster ajudou minha fuga. Precisamos sair daqui, sou procurado.

— Não antes de irmos até o templo de Helm — rebati. — Temos assuntos a tratar ainda.

— Quer que eu seja pego?

— Sinceramente, isto é da sua conta — O sujeito acabou com a reputação do nosso grupo, nossa estadia na cidade e por pouco não nos rendeu uma prisão. Não havia o que discutir.  — Pra quê serve esse disfarce afinal, se não para disfarçar você aqui dentro? Aguente.

Gordon quis me agredir. Não intimidou.

— Traga Barba para perto — Balasar pediu, mais solúvel do que eu, apesar de tão definitivo quanto. — Depois que passarmos lá, podemos ir.

— Não sei se concordo com isso.

— Hierarquia horizontal, não? — inferi, citando-o. — Decidimos por voto.

— Barba não decidiu nada, ainda há chance de empatar.

— Tenho certeza que ele concorda conosco.  

A mão de Gordon não ter atravessado meu rosto foi surpreendente. Nunca vi o elfo tão ultrajado. Eu tinha motivo para o mesmo nível de estresse, porém, tinha classe o bastante para me manter alinhado.

Ele saiu bufando, empurrando as pessoas que tentavam abraçar o meio-orc descendo do palco. Swarschnegger levantou Barba e ergueu seu punho no ar, pedindo aplausos para o segundo lugar. O anão arrotou, isto o manteve de pé para ouvir as salvas. Rapidamente, suas feições mudaram, muito provavelmente pois Gordon falava em sua mente e, muito provavelmente, reclamando da minha maneira rude de dizer que suas atitudes haviam sido imbecis. Barba cumprimentou o meio-orc, trocou figurinhas sobre a força de ambos, amigos como nunca, e veio marchando junto dele e nos juntamos na direção do templo de Helm.

Gordon tomou a frente, empurrando-me com o ombro. 

Adulto. Maduro. Responsável. 



Relatos de Um Viajante ChifrudoOnde histórias criam vida. Descubra agora