2.1. Montanha de Pistas e Músculos

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— Posso começar a falar o que descobri, mas antes, o novato.

Minhas palavras rebateram no quarto da estalagem, todos os olhos viraram-se para Arannis. A madeira do piso e das paredes rangeram numa resposta. 

— É novo por aqui? De onde veio?

— Metrópole de Kammourath, a Cidade da Magia. Estudei lá por um tempo antes de partir em peregrinação. 

— Outro, Balasar — virei-me para o draconato, apoiado em seu cajado e fundo numa das quinas do quarto. — Os senhores serão amigos de longa data, tenho certeza. E, como já foi aceito nessa confraria sem nenhum processo seletivo, não vejo necessidade de mais questões. Devo dizer apenas que é reconfortante ter outro alfabetizado no grupo e que Bahamut geralmente tem servos adoráveis. Bahama, meu caro — estendi a mão para cumprimentá-lo, usando a saudação de seu deus. Houve uma curta satisfação por baixa de sua barba.

Bahama, nobre. 

Foi a vez da minha satisfação. Ser reconhecido em minha classe sempre me agradava.

— Muito bem. Sarah foi raptada e temos certeza de que é um plano do alto escalão para conseguir uma vantagem. — Fui direto ao ponto. Barba cruzou os braços e Gordon aproximou-se para ouvir melhor. — Ela faz parte de um esquema maior, não sei qual ainda, mas sei que envolve a rota para Vila Pardal. 

— Sendo Pedra Lascada um posto comercial, faz sentido — Balasar acrescentou. — O sacerdócio é novidade. Podemos marcar uma reunião para interrogá-lo?

— Do jeito que parecem ocupados, acho difícil conseguirmos um horário, ainda mais tão próximo do festival — Gordon pontuou.

— Minha primeira opinião é que acho que devemos tentar — o paladino contrapôs. 

— Mesmo que consigamos, precisaremos de um rito seu para revelar as mentiras deles, paladino. E duvido muito que caiam para algo tão simples — eu disse, sentando numa das camas. Dura, pouco enchimento e, com certeza, feita de lã em vez de penas. — Talvez dev...

— Entrar e bater neles. São os culpados, não é? Qual é o problema? — Barba interveio.

— Minha segunda opinião é que não deveríamos levar Barba.

Nunca achei que fosse rir de um paladino se não por chacota.

— Que isso, elfinho, cuidado, viu? Cê chegou agora — Barba rebateu.

— Gostei do paladino — Balasar acentuou a provocação.

Quando os dois trocaram saudações, Barba voltou aos impropérios:

— Agora eu vou lá, que se foda. E se vier de papinho... — Pegou o machado do orc encostado e ergueu. O paladino precisou recuar um passo por causa do tamanho. — Não vai sobrar ninguém aqui pra contar história. 

— A escolha é sua de lutar numa igreja — comentei, desabotoando as mangas. Aprendi desde nossa luta com os orcs como lidar com o brigão. — Um espaço fechado, confinado. Nem há área para os golpes. Se nos deixar atrair a confusão para fora, você poderia lutar sem empecilhos. 

Barba seguiu com os olhos vidrados. As veias de suas escleras pareciam estender-se para o rosto. 

— Perfeitamente. Aceito. 

— Qual o plano, então? — Balasar questionou, indo para sua cama, mais próxima à janela. 

— Por enquanto — conferi os cavalheiros —, nenhum. Precisamos de mais informações. E mais brechas. 

A frase perdeu-se na arrumação para o sono, assentou-se no descanso e foi esquecida no despertar. Acordamos com barulho de percussão, muxoxo de negociação e cheiro de fogos. Quando descemos para o café, Barba tomou à frente, encheu o peito e estragou a voz de dormido:

— SWARSCHNEGGER!

As cabeças dos hóspedes deixaram seus pratos e viraram-se para a escada. O estalajadeiro parou sua pechincha para prestar atenção ao anão atarracado saltando por cima do corrimão, direto para a mesa de um casal. Os pulmões de Barba preparam-se para um novo disparo, porém, um vulto numa mesa ao fundo levantou primeiro. 

— O que foi, nanico?

O homem era um meio orc, verde-cinzento, repleto de cicatrizes no dorso, cabeça raspada nas laterais e um topo traçado dum moicano trançado de fios escuros. Argolas no nariz, em ambas as presas e criando camadas na barbicha que descia até o peito. 

— O que você falou? — Barba saltou da mesa, saiu atropelando os clientes, direto para o tal Swarschnegger. 

— O que você ouviu — respondeu, subindo ainda mais. 

Agora estava verdadeiramente de pé. A estatura assemelhava-se a um armário de relíquias de uma família requintada: largo, extenso, alto e extremamente robusto. O meio-orc era grande ao ponto de incomodar-se com a sustentação do teto bagunçando suas tranças e largo ao ponto da cabeça de Barba, do tamanho de um melão grande, caber perfeitamente nas mãos do sujeito.

Meus companheiros observaram assustados. Eu estava curioso. Nunca havia visto uma surra de bar tão de perto. O casal que Barba incomodara saiu da estalagem ultrajado. Ocupamos a mesa deles. Fiz questão de limpar a sujeira das botas de Barba com o robe de Balasar, distraído com a confusão.

— Você é o tal que bebe pra caralho? — Barba desafiou, o nariz prestes a perfurar o umbigo do orc.

— Eu bato e bebo — respondeu, guiando meu olhar para o tacape, duas vezes maior do que a cadeira em que estava sentado.

— Você me conhece?

— Não.

Barba bufou.

— Estalajadeiro. Quem sou eu?

O homem pôs as mãos ao redor da boca:

— É Barba. O Bárbaro. Bebe e toca. 

— Ah, então, você é o cara que bebe e toca. Sempre quis conhecer alguém assim — Swarschnegger mostrou mais dentes amarelados e pontudos. 

— Ah, que meigo — sussurrei à mesa. 

— Quem será que bebe mais? Eu sou Barba, o Bárbaro.

— E eu sou Swarschnegger, o Bêbado. 

Uma competição acirrada.

— Eu tô convidado aqui, pro festival. Eu bebo de graça...

— Há! Eu bebo de graça. Sou convidado de honra no festival — observei Barba querendo garantir a mentira, direcionando-a para o dono da estalagem novamente. — Não é? Não tô convidado?

— A gente fechou a lista de artistas há um tempo, Barba... — Barba quase sacou o machado e o lançou no sujeito por descredibilizá-lo, mas sua carranca o fez ajustar o discurso. — Mas assim, que tal levar essa competição pro Festival, hein? Lá vocês competem quem é que bebe mais.

— Perfeitamente — Barba aceitou, encarando o meio orc.

— Excelente pra mim também — Swarschnegger rosnou.

— Vai perder em público — Barba acrescentou, retornando à mesa, furioso.

— É isso que vamos ver — o homem dobrou a aposta.

Barba pisou em três pés antes de sentar-se à sua cadeira e pedir uma cerveja pela manhã. Completei uma garfada numa torta enquanto vi-o bater a caneca vazia na mesa. 

— A gente tem que ir rápido, não posso perder nosso lugar no f... cadê Gordon? E o paladino?

Balasar, Barba e eu questionamos onde os dois estavam ou o que havia acontecido. Demorou pouco até que cansasse de me preocupar. 

Relatos de Um Viajante ChifrudoOnde histórias criam vida. Descubra agora